Parecer nº 296/07
Ref: Processo nº 617/2007 (TID n° 1613280)
Interessado: Subsecretaria de Documentação – SGP.3
Assunto: Contratação de serviço conservação de livros – Inexigibilidade de licitação – Notória especialização – Singularidade do objeto – Não caracterização
Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
Requer-se a esta Procuradoria a análise sobre a sugestão da Supervisão de Documentação do Legislativo (fls. 31), no sentido da contratação direta, por inexigibilidade de licitação, fundada em singularidade do objeto e notória especialização (art. 25, II, da Lei nº 8.666/93), da empresa XXX, a fim de executar serviço de conservação de obras existentes no acervo da Biblioteca deste Legislativo, consistentes estas em:
1) Obras sob a guarda de SGP.31:
a) 161 volumes de legislação municipal – datados de 1886 a 1982;
b) 97 volumes de Atas da Câmara Municipal de São Paulo – datados de 1562 a 1903;
c) 7 volumes de relatórios à Câmara Municipal de São Paulo – datados de 1886 a 1928;
d) anais da Câmara Municipal de São Paulo – referentes aos períodos de 1960/1963 e 1967/1992.
2) Obras sob a guarda de SGP.32:
a) 188 volumes de livros antigos – editados no século XIX ou início do século XX.
Realizou-se pesquisa de preço em que apresentaram oferta a empresa que se pretende contratar diretamente (XXX) e mais duas (mapa de preços às fls. 29). O preço médio apurado para a execução do objeto pretendido foi de R$ 133.576,67 (cento e trinta e três mil, quinhentos e setenta e seis reais e sessenta e sete centavos), tendo a empresa XXX oferecido proposta no valor de R$ 82.670,00 (oitenta e dois mil, seiscentos e setenta reais).
Preceitua o art. 25 da Lei de Licitações que:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(…)
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;”
Portanto, para se configurar uma situação concreta em que o procedimento licitatório é inexigível, é necessária a conjugação concomitante de três fatores elencados no retro transcrito inciso II do art. 25 de Lei nº 8.666/93, quais sejam, que o serviço técnico que se pretenda contratar seja das espécies arroladas no art. 13 da Lei de Licitações, que o objeto seja de natureza singular e que a escolha do executor recaia sobre profissional ou empresa de notória especialização.
No caso em consideração, o serviço técnico que se pretende contratar não encontra correspondência com qualquer uma das hipóteses expressas no art. 13 da Lei nº 8.666/93.
Embora se aproxime daquela expressa em seu inciso VII, com ela não se confunde, uma vez que se pretende contratar serviço de conservação e não de restauração.
O fato de que o objeto que se pretende contratar seja serviço de conservação, resta depreensível da justificativa da Secretaria de Documentação às fls. 04, onde seu subscritor relata que “os volumes encontram-se em processo de deterioração, necessitando de um tratamento adequado, para que não seja necessária restauração, processo este muito mais difícil e delicado”.
No caso, sendo serviços de conservação e não de restauração a hipótese não encontra correspondência com o referido inciso VII do art. 13 da Lei nº 8.666/93, cujo preceptivo legal vem expresso nos seguintes termos:
“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
(…)
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico”.
Parece-nos, assim, que o serviço de conservação (para fins de caracterizar hipótese de dispensa de licitação), não pode ser tomado por restauração, serviço este – como o destacado na justificativa da Secretaria de Documentação –, muito mais difícil e delicado, razão pela qual a Lei de Licitação o arrola como serviço técnico profissional especializado, destacando-o dos demais, e ensejando que, presentes os demais pressupostos, previsto no inciso II de seu art. 25, seja inexigível o procedimento licitatório.
Além de se encontrar arrolado em uma das hipóteses do art. 13, retro transcrito, se faz necessário que o serviço técnico especializado que se pretenda contratar diretamente seja de natureza singular, e esta se evidencia quando o interesse da Administração somente pode ser atendido de modo satisfatório por determinada pessoa que ostente atributos técnicos especiais e por tal motivo se afigura com a mais confiável para a produção da atividade pretendida.
Nessa ordem de considerações preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello que “(…) um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo do seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística ou a argúcia de quem o executa, atributos estes que são precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita para a satisfação do interesse público em causa. Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar a mesma atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria a sua moda, de acordo com seus próprios critérios, sensibilidade, juízos, interpretações e conclusões parciais ou finais, e tais fatores individualizadores repercutirão necessariamente quanto a maior ou menor satisfação do interesse público. Bem por isso não é indiferente que sejam prestados pelo sujeito “A” ou pelos sujeitos “B” ou “C”, ainda que todos estes fossem pessoas de excelente reputação. É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual contratado – a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria – em profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a atividade mais adequada para o caso”.
Assim, tendo por parâmetro os pressupostos ressaltados no doutrina retro transcrita, na hipótese vertente não parece configurada a singularidade do objeto, uma vez que, sendo serviço de conservação, não surge manifesta a necessidade de contratação de profissional com notória especialização, ou seja, o serviço não seria de uma complexidade tal que o atendimento dos interesses da Administração somente poderia ser satisfeito com a contratação de pessoa ou empresa notoriamente especializada na área.
Ademais não nos parece que restou caracterizado que se tratam de obras raras de valor histórico (algumas podem ser classificadas como tal, mas outras não), de forma a ensejar o juízo de que sua manipulação por quem não ostenta a capacidade técnica necessária representaria um risco à segurança e preservação de material histórico, caso em que a Administração somente poderia confiar o objeto do contrato à pessoa ou empresa que, por sua notória especialização, ofertasse garantias que de o serviço seria realizado a contento e que seu objeto não estaria sob riscos de perecimento.
Neste sentido já decidiu o E. Tribunal de Contas do Município que:
“Licitação – dispensa – notória especialização – para a caracterização da hipótese de notória especialização não bastava que se tratasse de serviços técnicos especializados, fazia-se necessário, também, que os serviços contratados, por sua complexidade, reclamassem a notoriedade do contratado, o que inocorreu nos autos – serviços rotineiros – ajuste não acolhido, com imposição de multa de 5 UFMs ao ordenador da despesa – Acórdão proferido por maioria de votos”.
Em face de todo o exposto, não estando presente os pressupostos previstos no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 e que condicionam, in casu, o afastamento do mandamento constitucional de contratação mediante prévia licitação, não vislumbro possibilidade jurídica de se efetuar contratação direta com fundamento no permissivo de inexigibilidade de licitação, acima mencionado, recomendando, portanto, a abertura de procedimento licitatório.
É meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.
São Paulo, 03 de agosto de 2007.
ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858