Parecer n° 280/2003

AT.2 Parecer n° 280/2003
Referência: Memo Gab/Pres/ 323/2003
Interessado: Lapenna Car Ltda.
Assunto: Mau uso dos veículos alugados

Sr. Assessor Chefe:

Trata-se de consulta dirigida a esta Assessoria com o objetivo de esclarecer dúvidas acerca do procedimento a ser adotado na hipótese de ocorrer mau uso dos veículos, por parte dos motoristas da CMSP em serviço, conduzindo veículos alugados pela Edilidade da empresa Lapenna Car Ltda.

A empresa Lapenna Car Ltda. alega que têm ocorrido diversos casos de mau uso dos veículos locados que não podem ser considerados como de responsabilidade da empresa, pois não se enquadrariam no item manutenção corretiva ou preventiva dos veículos; que essa necessidade de manutenção decorre de um uso anormal que fere o desempenho dos veículos; que, por não estarem previstos no ajuste, esses eventos geram uma despesa imprevista, que inviabiliza a execução do contrato.

A empresa pede a apreciação do pedido, e a inclusão no contrato da previsão dos casos em que ela não estaria obrigada a realizar o conserto das avarias – que ela chama de manutenção corretiva – sem o posterior reembolso. Pede, enfim, que o contrato seja alterado para que a responsabilidade pelo conserto das avarias seja claramente prevista no contrato, e assumido pela Edilidade. Apresenta, então, uma lista do que a empresa considera como manutenção corretiva e preventiva, a ser assumida por ela, e outra, do que deve ser reembolsado, por não ser decorrente do desgaste natural dos veículos, nem alvo de manutenção preventiva ou corretiva.

O Contrato 17/03, ajustado entre esta Edilidade e a empresa Lapenna Car Ltda. é omisso a respeito da responsabilidade pelo pagamento das avarias causadas pelo mau uso dos veículos locados. Apenas menciona, na cláusula terceira, que trata das obrigações da contratada, três itens, nenhum deles diretamente relacionado com a responsabilidade causada pelo mau uso dos veículos. São elas:

CLÁUSULA TERCEIRA – DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA

“3.1 – Compete à CONTRATADA:
……………………………………………………………………………………..
3.1.4 manter a frota sempre em perfeitas condições de uso;
3.1.6 prestar socorro imediato no local da avaria/quebra do veículo locado;

3.1.15 realizar manutenção preventiva e corretiva, sem prejuízo do estabelecido no item 3.1.6 deste Contrato, comunicando por escrito à CONTRATANTE no prazo de 48 (quarenta e oito) horas de antecedência a substituição dos mesmos.”

São cláusulas de uma simplicidade espartana, que deixam a descoberto uma série infindável de eventos que poderiam suceder num contrato qualquer, tanto mais neste, previsto para durar doze meses e dispor sobre a locação de cinqüenta e cinco veículos à CMSP.

Na verdade, os itens do pedido apresentado pela empresa vencedora do certame não são novidade no processo de licitação. Essas questões foram levantadas pelas empresas que perderam o contrato para a Lapenna Car Ltda. nas impugnações por elas apresentadas, e respondidas pela Pregoeira, durante o processo.

À fls. 263/4 a empresa Autman encaminhou os seguintes pedidos de esclarecimentos à Comissão de Pregão:

“6 – Em caso de mau uso do condutor que venha causar avarias em acessórios, bancos, quebra de vidros, retrovisores, pneus, rodas, etc., estes reparos serão feitos pela CONTRATANTE?”.
7 – Caso o veículo locado se envolva em um acidente, a Câmara Municipal de São Paulo assumirá a Franquia da Apólice do Seguro?”

Não posso deixar de notar que estas questões são as mesmas que ora atormentam a empresa Lapenna Car Ltda.

Elas foram respondidas pela Pregoeira logo em seguida, às fls. 266/7:

“6 – R: Não. Conforme estabelecido na proposta – Anexo III – ‘o preço compreenderá todos os custos necessários ao fornecimento do Objeto desta licitação’.
Entretanto, cabe informar que nossos motoristas são todos profissionais, das classes C e D, havendo, hoje, pouquíssimos problemas relativos ao mau uso dos veículos.
7 – R: Não. A resposta é idêntica à anterior.
Além disso, o item 3.1.4, da Cláusula terceira do Contrato estabelece que compete à Contratada manter a frota sempre em perfeitas condições de uso.”

Esclareça-se que as respostas acima foram publicadas no D.O.M. de 03/07/03, na forma de COMUNICADO DA COMISSÃO DE PREGÃO (fl.268).

Também a empresa Bauruense Tecnologia e Serviços Ltda. estava preocupada com o assunto, e à fl. 286 encaminhou a seguinte dúvida:

“2) Se algum veículo da contratada envolver-se em algum acidente, havendo culpa por parte do motorista da Câmara, quem será o responsável pelo pagamento da franquia?

A resposta da Pregoeira (fl. 287) foi no mesmo sentido da anterior:

R: O pagamento da franquia deverá ser feito pela Contratada, uma vez que, conforme estabelecido na proposta – Anexo III – “o preço compreenderá todos os custos necessários ao fornecimento do Objeto desta licitação.”
Conforme informado pela Sra. Diretora de Departamento – DT-2, as ocorrências de sinistro dos veículos oficiais foi (sic) a seguinte:
2001
07 colisões com pagamento de franquia.
01 colisão com perda total do veículo.
01 roubo de veículo.
2002
15 colisões com pagamento de franquia.
01 colisão com perda total do veículo.
2003
01 colisão com pagamento de franquia.
01 roubo de veículo.

Essas respostas foram publicadas no D.O.M. de 08/07/03 (fl. 307).

Inconformadas com as respostas da Pregoeira, as empresas Autman e Transkombi impugnaram o Edital do Pregão, em manifestações fundamentadas (fls. 288/296). Questionada sobre o pagamento da franquia do seguro em caso de acidente, com culpa por parte dos motoristas da Câmara, novamente a resposta da Pregoeira foi lacônica, baseada no Anexo III do Edital (fl. 297/8):

“R: O pagamento da franquia deverá ser feito pela empresa contratada, uma vez que, conforme estabelecido na proposta – Anexo III – “o preço compreenderá todos os custos necessários ao fornecimento do Objeto desta licitação.”

Ou seja, a Pregoeira em todas as vezes em que foi questionada, ofereceu respostas que orientaram os licitantes num claro e determinado sentido, qual seja: a responsabilidade pelo custo das avarias aos veículos que ocorressem durante o contrato seria da Contratada.

No âmbito desta Edilidade, o Ato 790/03 dispõe sobre as atribuições da Comissão de Pregão, mas não do Pregoeiro, e remete às leis pertinentes:
“Fica criada a Comissão de Pregão no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, constituída pelos membros da Comissão de Julgamento das Licitações – CJL e da Comissão Especial de Formulação e Acompanhamento Orçamentário – CEFAO.
Art. 2º -As atribuições da Comissão de Pregão são regidas pela Lei Municipal 13.278/02 e Decreto nº 41.772, pelas Leis Nacionais nº 8.666/93 e 10.520/02.”

A Lei Municipal nº 13.278/02, no art. 20, previu a possibilidade do emprego da modalidade pregão, a ser regulamentada por decreto:

“Art. 20 – O Município poderá adotar a modalidade pregão, instituída pela União, para a aquisição de bens e serviços comuns, que será regulamentada por decreto, observada a legislação federal pertinente.”

O Decreto Municipal 41.772, sobre o pregão, diz:

“Art. 24 – O procedimento dos pregões, em sua fase instrutória, seguirá, no que couber, o previsto para as demais modalidades, iniciando-se sua fase externa com a convocação dos interessados através da publicação do respectivo edital, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, no Diário Oficial do Município e na Internet ou também em diário de grande circulação, observados os limites que venham a ser estabelecidos em portaria do Secretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico.”

Já as atribuições do Pregoeiro estão previstas no art. 3º, IV, da Lei Federal 10.520, de 17 de julho de 2002:

“Art. 3º – A fase preparatória do pregão observará o seguinte:
……………………………………………………………………………………..
IV – a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade, e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.”(g.n.)

E no art. 9º, do Decreto Federal nº 3.555, de 08 de agosto de 2.000:

“Art. 9º As atribuições do pregoeiro incluem:
I – o credenciamento dos interessados;
II – o recebimento dos envelopes das propostas de preços e da documentação da habilitação;
III – a abertura dos envelopes das propostas de preços, o seu exame e a classificação dos proponentes;
IV – a condução dos procedimentos relativos aos lances e à escolha da proposta ou do lance de menor preço;
V – a adjudicação da proposta de menor preço;
VI – a elaboração de ata;
VII – a condução dos trabalhos da equipe de apoio;
VIII – o recebimento, o exame e a decisão sobre recursos; e
IX – o encaminhamento do processo devidamente instruído, após a adjudicação, à autoridade superior, visando à homologação e a contratação.”

Faço notar que a Comissão de Pregão é responsável pelo Edital do Pregão (consta da fl. 191 do processo a Ata de Apontamento no qual a Comissão do Pregão – CP, instituída pelo Ato 790/03 aprovou a minuta do ato convocatório referente ao Pregão 043/2003, Processo CMSP nº 239/2003, que trata da contratação de empresa especializada em serviços de locação de veículos); portanto, as impugnações ao Edital em princípio, haveriam de ser julgadas pela Comissão do Pregão.

Como se vê, entre as atribuições do Pregoeiro não está a de elaboração do Edital, mas a sua execução, e por conseqüência também não seria razoável esperar que estivesse a de responder às impugnações a esse mesmo Edital.
Contudo, uma vez que sobre tal aspecto não houve impugnação específica e, por outro lado, foram esses os esclarecimentos feitos, entendo que a Administração encontra-se vinculada aos mesmos.

A matéria exige de fato ponderadas reflexões, razão pela qual enviei consulta, em tese, à Consultoria da Editora NDJ, especializada em licitações (cópias anexas). Respondendo a essa consulta a NDJ esclareceu o seguinte, em manifestação assinada pelos ilustres advogados Gilberto Bernardino de Oliveira Filho e Cerdônio Quadros:

“Nesse escopo, saliente-se que, como regra geral, também não seria da competência do pregoeiro ou da Comissão de Licitação a elaboração dos editais licitatórios.
Dessa maneira, não sendo o pregoeiro responsável pela elaboração de edital licitatório, da mesma forma, em nosso entendimento, não seria responsável pela análise de eventuais impugnações a seus termos.
……………………………………………………………………………………..
Dessa forma, parece-nos que a análise de impugnação ao ato convocatório caberia àquele que elaborou o Edital ou a quem a lei específica ou o Regimento Interno expressamente atribuir dita competência, que poderá ser ou não a autoridade superior, a Comissão de Licitação o pregoeiro ou outro agente qualquer.
Portanto se, no caso concreto, efetivamente foi o pregoeiro responsável pela análise de eventuais impugnações interpostas, parece-nos que sua decisão deverá ser, em princípio, respeitada e acatada.
……………………………………………………………………………………..
De qualquer modo, perceba-se que, por força dos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e da competitividade, também aplicáveis ao pregão, com fundamento no art. 9º da Lei nº 8.666/93 c/c o art. 3º da Lei nº 8.666/93, em princípio, não seria possível a posterior alteração do contrato já firmado (salvo nas hipóteses já dispostas no art. 65 da Lei Federal de Licitações) ou a ser firmado com o vencedor do certame, tendo em vista que, se desde o início existissem cláusulas na forma agora proposta, outras empresas que não participaram do certame eventualmente poderiam ter interesse na contratação.”

No Boletim de Licitações e Contratos, Editora NDJ, página 689, Airton Rocha Nóbrega é autor de oportuno artigo “Proposta Inexeqüível no Pregão”, no qual se lê:

“Tecendo considerações acerca de propostas desconformes, aponta Carlos Pinto Coelho Motta, com a reconhecida sapiência e aguçado senso de oportunidade, que “a proposta inexeqüível constitui-se, como se diz, numa ‘armadilha’ para a Administração: o licitante vence o certame; fracassa na execução do objeto; e não raro intenta, junto ao órgão contratante, reivindicação de revisão de preços, baseada nos mais engenhosos motivos. Eis a razão de todos os cuidados legais na delimitação da proposta inexeqüível” (Eficácia nas Licitações e Contratos, Belo Horizonte, Del Rey, 8ª ed., 1999, p. 252).”

E prossegue no comentário o ilustrado professor:

“Em realidade, propostas que se apresentem superavaliadas ou com preços muito inferiores àqueles efetivamente praticados no mercado e tidos como aceitáveis, exigem especial análise, até porque afrontam claramente os princípios da legalidade e da isonomia e, além disso, opõem-se à competitividade, princípio correlato da licitação. Verificada a inexeqüibilidade, deve esta de ofício ser declarada, seja qual for a modalidade e, inclusive, no âmbito do Pregão.
Oportuno asseverar que não pode servir de pretexto para admitir-se o preço inexeqüível o fato de haver sido adotado na licitação o tipo menor preço. Este não se confunde com o preço mais baixo cotado, porquanto este pode não se mostrar exeqüível e passível de manutenção no curso da execução do contrato, gerando apenas prejuízos para a Administração e frustrando a pretensão inicialmente exposta na licitação.
A norma básica, assim como o regulamento do Pregão, aprovado pelo Dec. Nº 3.555/00, impõe atenção a tal aspecto, dispondo este último que:

“declarada encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, o pregoeiro examinará a aceitabilidade da primeira classificada, quanto ao objeto e valor, decidindo motivadamente a respeito (art. 11, inc. XII) (grifou-se).
……………………………………………………………………………………..
Em comentários específicos sobre o tema, tratado no âmbito de licitação na modalidade de pregão, Marçal Justen Filho assevera que “outro problema sério é o da inexeqüibilidade de propostas e lances. O problema se agrava quanto a estes últimos. A natureza do processo de oferta de lances pode produzir uma ausência de controle efetivo por parte da Administração acerca de preços inexeqüíveis. Os interessados, no afã de conseguir a contratação, acabariam por ultrapassar o limite de exeqüibilidade, reduzindo seus preços a montantes inferiores aos plausíveis. (Pregão – Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, São Paulo, Dialética, 2001, p.60).
E não se permite o ilustrado autor estancar os seus comentários apenas ao que restou consignado. Acrescenta, outrossim, que “…no entanto, a Administração tem o dever de investigar se o preço ofertado pelo licitante é compatível com as regras dos arts. 44, § 3º, e 48, inc. II, da Lei nº 8.666…”

Não é o caso de se fazer um julgamento do Contrato 17/03, mas de analisar friamente o pedido da empresa à luz do Edital do Pregão, dos esclarecimentos feitos aos licitantes acerca da sua interpretação, e das leis respectivas. Pode-se afirmar que um contrato dessa magnitude deveria ter previsto a possibilidade da ocorrência dos eventos que causariam questionamentos, tais como os acidentes de trânsito, com danos de pequena ou maior monta, com ou sem culpa dos motoristas da contratante, que vêm se tornando mais e mais freqüentes na Cidade de São Paulo. Tal imprevisão é lamentável, tanto mais que as sucessivas impugnações poderiam ter alertado e sinalizado para a possível conveniência de revisão e até mesmo republicação do edital, para que o mesmo previsse com maior clareza, justiça e eqüidade as responsabilidades das partes – o que seria de esperar-se num contrato com tal objeto.

Pelos motivos expostos, não vislumbro como, sob o prisma estritamente jurídico, recomendar a alteração contratual nos moldes propostos pela empresa, pois isto iria contra as respostas dadas pela Pregoeira nas impugnações apresentadas pelas empresas que perderam o contrato para a Lapenna Car Ltda.

A alteração pretendida, ao que me parece, ofenderia os princípios da legalidade, da impessoalidade, da igualdade, e da vinculação ao instrumento convocatório, e da competitividade, tal como expressos no art. 3º da Lei Federal 8.666/93.

É o meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V.Sa.

São Paulo, 12 de novembro de 2003.

Manoel José Anido Filho
Assessor Técnico Supervisor
OAB/SP n° 83.768
Indexação

Mau
Uso
Veículos