AT.2 Parecer 265/03
Referência: Ofício 2737/03 – Gabinete do Vereador xxxxxxxx
Interessado: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Assunto: Recurso à suspensão disciplinar decorrente de atraso na apresentação de declaração de bens exigida pelo Ato 467/93 – Recurso a ser conhecido como pedido de reconsideração, na forma e no prazo dos arts. 176 e 177 da Lei 8.989/79, o Estatuto dos Servidores do Município de São Paulo – Recomendação de anulação da punição.
Sr. Assessor Chefe:
Trata-se de pedido subscrito pelo xxxxxxxxxxx, em nome do servidor xxxxxxxxxxxxxxxx, e dirigido ao Presidente desta Edilidade, para lograr anistia a suspensão de 8 (oito) dias aplicada a esse servidor, pelo atraso na entrega de sua Declaração de Bens.
Em preliminar, é imperioso notar que, embora o requerimento não tenha sido firmado pelo próprio servidor, mas por Agente Político em benefício dele, o pedido é cabível e pode ser conhecido pela Egrégia Mesa, mas como pedido de reconsideração, nos termos do art. 176 da Lei 8.989/79. O Nobre Vereador xxxxxxxxxx é quem assina o requerimento e, apesar de não constar que ele tenha capacidade postulatória, por não ser profissional regularmente inscrito nos quadros da OAB/SP, o Vereador é a autoridade a quem o servidor estava subordinado. Além disso, contém alguns argumentos, que são novos, pois que antes não havia nenhum; e não há pedido de consideração desatendido anteriormente, requisitos estes do direito de petição tal como previsto no Estatuto referido. Finalmente, porque no prazo de sessenta dias do art.177 do Estatuto, que na espécie sequer se iniciou, uma vez que a Ata da 23ª Reunião da Mesa, que impôs a punição ao que consta nunca foi publicada.
De acordo com a informação do DT. 1, que consta do processo à fl. 5, o Sr. xxxxxx teve descontada dos seus vencimentos do mês de julho/03, a importância de R$ 1.492,19 referentes a 07 (sete) dias de suspensão; e de acordo com a informação do DT.4 à fl. 05v., essa suspensão decorreu de decisão tomada em reunião realizada em 30/06/03(cópia anexa), na qual “a Egrégia Mesa determinou que seja respeitado o artigo 6º do Ato 467/93”.
A aplicação imediata de sanção administrativa, tal como determinada pela E. Mesa, neste caso, sem respeito ao contraditório, nem ao devido processo legal, causou-me grande estranheza. Estranheza essa logo amenizada, quando me dei conta de que essa punição baseava-se no citado Ato 467/93, que desde o seu surgimento sempre levantou sérias e fundadas dúvidas quanto ao seu respaldo na ordem constitucional.
O Ato 467/93 foi inspirado, como é notório, na Lei Federal nº 8.730, de 10 de novembro de 1993, proposta pela célebre Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional em 1992, que culminou com a deposição por improbidade administrativa de um Presidente da República.
Foi essa a lei que estabeleceu a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o cidadão que desejar exerce cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na esfera federal – cuja cópia anexo aos autos – e que no seu art. 7º estendeu aos entes federados as suas disposições.
A norma que terminou por inserir nos deveres do servidor da Casa a obrigação de apresentar declaração de bens, ou melhor, de entregar à administração da CMSP, a mesma declaração que o fisco federal exige de todos os cidadãos, ainda que lacrada, por se tratar de segredo inviolável, salvo para a Receita Federal, está no Ato 467/93.
Diz o indigitado Ato 467, art. 6º:
“MESA DA CÂMARA
Dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação de DECLARAÇÃO DE BENS dos Senhores Vereadores e servidores do Legislativo Municipal.
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Art. 6º – Vencido o prazo assinalado para a atualização sem que tenha sido apresentada, o agente público será automaticamente suspenso, cabendo à Diretoria do Departamento do Pessoal comunicar o fato, com urgência, à unidade de lotação.”(g.n.).
Tal dispositivo assemelha-se ao que havia outrora nos estatutos disciplinares, anteriormente à CF/88, sob o nome de “VERDADE SABIDA”.
Ao analisar em sua obra “Direito Administrativo” esse pormenor do processo administrativo disciplinar, a emérita mestra Maria Sylvia Zanella Di Pietro discorre sobre o assunto:
“14.7.2 VERDADE SABIDA
Verdade Sabida é o conhecimento pessoal e direto da falta pela autoridade competente para aplicar a pena. È o conceito que consta do artigo 271, parágrafo único, do Estatuto paulista. Pelo caput do dispositivo, é possível aplicar-se a pena pela verdade sabida, quando se tratar de repreensão e suspensão.
Esse dispositivo estatutário não mais prevalece, diante da norma do artigo 5º, LV, da Constituição, que exige o contraditório e ampla defesa nos processos administrativos. Mesmo antes da atual Constituição, já se entendia que o princípio da ampla defesa, previsto no artigo 153, § 16, para o processo penal, era aplicável às esferas civil e administrativa..
A lei federal não prevê a aplicação da pena pela verdade sabida.”(Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, Editora Atlas S/A, 11ª edição, 1999, página 498).
Também Alexandre de Moraes, em seu “Direito Constitucional’’,preleciona sobre o tema:
23 DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA (ART. 5º, LIV E LV)
O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º LV). Assim, embora no campo administrativo não exista necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa.
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, ou mesmo de omitir ou de calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Salienta Nelson Nery Júnior que
“o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa , quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório”.
(Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Editora Atlas S/A, 9ª edição, 2001, páginas 117/118)
A providência que o Ato 467/93 sugere, de penalizar “automaticamente” o servidor inadimplente da obrigação nele mencionada, sem antes lhe facultar a oportunidade de defesa, vai de encontro à Constituição Federal de 1988, art. 5º, LIV e LV:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Esse art. 5º, que constitui a Declaração dos Direitos do Cidadão brasileiro, é, a sua maior garantia e, às vezes, o último recurso contra os desmandos e a tirania dos governantes.
Não parece restar dúvida de que a decisão foi apressada e ilegal.
Com tantos vícios a corrompê-la, não se pode aconselhar a manutenção da penalidade precipitadamente imposta ao servidor.
Parece-me que esta é a hora certa para aconselhar a aplicação da Súmula 473, do Supremo Tribunal Federal, recentemente utilizada, aliás, pela Egrégia Mesa, em outro contexto.
473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvados, em todos os casos, a apreciação judicial.
Recomendo a correta aplicação da Súmula 473 do Pretório Excelso com a conseqüente e imediata anulação da penalidade aplicada ao servidor xxxxxxxxxxxx, seguida do envio do processo à Comissão Processante Disciplinar, se a Egrégia Mesa assim o decidir, para aí sim, a abertura de processo sumário, para a apuração de falta disciplinar do servidor, ao fim do que, garantidos a ele o contraditório e a ampla defesa, poderá a Egrégia Mesa, se para isso conduzir o processo, aplicar a pena justa, na justa medida.
São Paulo, 07 de outubro de 2003.
Manoel José Anido Filho
Assessor Técnico Supervisor
OAB/SP n° 83.768
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