Parecer 253/2015
TID XXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXX
Ofício 019/2015 XXXXXXXXXXXXXXX
Oficio 323/2015/SMDHC-GAB
Sra. Procuradora Legislativa Chefe
A secretária do conselho municipal de turismo – XXXXXXXXXXXXXXX envia ofício ao Presidente desta Edilidade solicitando a nomeação de representantes junto esse conselho municipal.
A norma criadora do XXXXXXXXXXXXXXX , a Lei nº 11.198, em vigor desde o longínquo ano de 1992, só foi regulamentada por decreto do Sr. Prefeito em 2005, por meio do Decreto nº 46.649/2005. No ofício, a secretária informa que o assento no XXXXXXXXXXXXXXX está neste momento aguardando nomeação.
Com intenção semelhante, o Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania solicita por ofício a indicação de representante e suplente para compor a comissão eleitoral do conselho municipal de direitos da juventude. Este conselho municipal foi criado pela Lei nº 14.687/2008 e sofreu uma reformulação por meio da Lei nº 16.120/2015.
Na Lei Orgânica do Município de São Paulo, o artigo 6º está assim redigido:
Art. 6º – Os poderes Executivo e Legislativo são independentes e harmônicos, vedada a delegação, de poderes entre si.
Parágrafo único – O cidadão investido na função de um dos poderes não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Lei.
Uma publicação do CEPAM (O Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, fundação do governo do estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão, que apoia os municípios no aprimoramento da gestão e no desenvolvimento de políticas públicas), do ano de 2010, denominada “Conselhos Municipais das áreas sociais”, encontra-se a resposta à seguinte pergunta:
Os vereadores ou representantes da Câmara Municipal podem ser membros dos conselhos municipais?
Não, a participação é inconstitucional, pois os conselhos municipais são organismos que compõem a estrutura do Poder Executivo. O princípio da independência de atuação dos dois órgãos do governo municipal impede que os membros da câmara de vereadores se vinculem ao chefe do Executivo municipal. Tal participação afronta o artigo 2º da Constituição Federal, que trata da separação e harmonia dos Poderes, bem como o artigo 5º da Constituição Estadual de São Paulo, que, na mesma esteira da Constituição Federal, classifica como poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, acrescentando em seu § 2º a vedação de que o cidadão investido na função de um dos Poderes exerça a de outro. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, também não é possível a participação de qualquer representante da câmara, ainda que não seja parlamentar. Essa questão foi decidida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 106.924-0/0-00. Entretanto, é importante salientar que os vereadores podem e devem acompanhar os trabalhos dos conselhos municipais, uma vez que a câmara municipal é órgão de controle externo da Administração Pública local. A aproximação entre o Poder Legislativo e o conselho é fundamental, pois ambos têm um papel importante de fiscalização das ações e serviços das áreas sociais, bem como dos recursos nela aplicados. Tal papel fortalece a construção conjunta da democracia representativa (vereadores) e da democracia participativa (conselheiros). O que fazer perante uma lei que prevê a participação de vereadores no conselho? Ao Poder Executivo cabe o pedido de alteração dessa lei municipal. Assim como a iniciativa de lei para criação de conselho municipal é exclusiva do chefe do Poder Executivo, a propositura para a alteração também o é. Entretanto, se o Executivo não o fizer, cabe à mesa diretora da câmara dos vereadores ou ao partido político com representação na câmara propor uma ação direta de inconstitucionalidade ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em face de referida lei municipal, que fere o artigo 5º, § 2º, da Constituição Estadual. O fundamento para tal propositura são os artigos 74, VI, e artigo 90, II, IV e VI, da referida Constituição.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou ação direta de inconstitucionalidade, declarando a inconstitucionalidade parcial de lei municipal que continha determinação de compor com dois representantes do Legislativo o conselho municipal de desenvolvimento urbano:
INCONSTITUCIONALIDADE – Ação direta – Lei complementar municipal – Determinação para composição de conselho municipal de desenvolvimento urbano por dois representantes do Poder Legislativo – Invasão legislativa nas atribuições do Poder Executivo – Ofensa ao princípio da separação dos Poderes – Impossibilidade de participação de membro do Poder Legislativo em órgão que pertence ao Poder Executivo – Violação ao artigo 5º, § 2º, da Constituição Estadual – Ação procedente.(*)
ACÓRDÃO
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei complementar municipal que determina composição do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. Inclusão de representantes do Poder Legislativo.
Inconstitucionalidade parcial. Ação julgada procedente.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 103669-89.2011.8.26.0000, da Comarca de SÃO PAULO, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TABOÃO DA SERRA, sendo réu PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE TABOÃO DA SERRA: (Voto nº 18.620)
ACORDAM, em órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do (a) Relator (a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), CORRÊA VIANNA, LUIZ PANTALEÃO, GONZAGA FRANCESCHINI, OLIVEIRA SANTOS, ALVES BEVILACQUA, DE SANTI RIBEIRO, GUERRIERI REZENDE, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, JOSÉ REYNALDO, ARTUR MARQUES, GUILHERME G. STRENGER, RUY COPPOLA, RENATO NALINI, CAMPOS MELLO, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ÊNIO ZULIANI, ELLIOT AKEL, SAMUEL JÚNIOR e RIBEIRO DA SILVA.
São Paulo, 29 de fevereiro de 2012.
CAUDURO PADIN, Relator.
VOTO
Vistos.
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade contra art. 29, inciso I, alínea “c” da Lei Complementar Municipal nº 132, de 26 de dezembro de 2006, do Município de Taboão da Serra, que possibilita que dois membros do Poder Legislativo integrem o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano.
Alega o Prefeito inconstitucionalidade, pois as atividades administrativas são da competência do Poder Executivo, não podendo ser composto o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano por integrantes do Poder Legislativo; que existe vício de iniciativa; que a administração municipal compete ao chefe do Executivo; que há inconstitucionalidade material pela violação aos princípios da separação dos poderes; por fim, quer a concessão de liminar, além da procedência da ação para o reconhecimento da inconstitucionalidade por violação aos dispositivos da Constituição Estadual, em especial o artigo 5º, § 2º.
Houve a concessão de liminar e efeito suspensivo, para suprimir a eficácia e vigência da Lei Complementar Municipal nº 132/2006 até final julgamento desta ação (fls. 76/77).
O Procurador-Geral do Estado, em seu parecer, manifestou desinteresse na defesa do ato impugnado (fls. 85/86).
A Câmara Municipal, em informações, assevera a ilegitimidade passiva, regularidade do processo legislativo e a inexistência de vício e de afronta aos princípios constitucionais (fls. 89/95).
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela procedência (fls. 229/235).
É o relatório.
A ação visa o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 29, inciso I e alínea “c” da Lei Complementar Municipal nº 132/2006 do Município de Taboão da Serra, que determina a composição do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano por dois representantes do Poder Legislativo.
A lei, no dispositivo supracitado tem o seguinte teor:
“Art. 29 – O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano terá a seguinte composição tripartite:
– 10 (dez) representantes do Poder Público Municipal, sendo que 8 (oito) serão indicados pelo Prefeito Municipal e 2 (dois) indicados pelo Poder Legislativo, na seguinte proporção:
a) O (a) Secretário (a) de Desenvolvimento Urbano e Habitação;
b) Um representante da Secretaria das Finanças;
c) Dois representantes do Poder Legislativo (…)”.
Reza a Constituição Bandeirante:
“Art. 5º – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º – É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º – O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a do outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.”
Há inconstitucionalidade em relação ao dispositivo legal em debate por ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Como ensina Hely Lopes Meirelles:
“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos, dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura, edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais, apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município, mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato, o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (…) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória à separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais, e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração (…) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental” (Direito Municipal Brasileiro, 1ª ed., São Paulo, Malheiros. 2000, pgs. 506-507 – ADIN 152.220-0/9-00).
Neste sentido, tem se posicionado este Órgão Especial, ou seja, partindo da premissa de que “conselhos são órgãos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até deliberação em determinado órgão governamental”, fixou precedente no sentido da norma municipal infringir o art. 5º, § 2º da Constituição Estadual, pois inclui em órgão do Poder Executivo a necessidade de possuir, em sua composição, representantes do Poder Legislativo.
Mesmo que não se acolha o argumento de vício de iniciativa, pois o projeto adveio da iniciativa do Prefeito de Taboão da Serra, não há dúvida que há invasão legislativa das atribuições de um Poder em outro, o que caracteriza ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Há clara impossibilidade de participação de membro do Poder Legislativo em órgão que pertence ao Poder Executivo, pois se trata do Conselho Municipal, onde lhe é próprio o exercício de função organizacional referente à Administração Pública, serviço público privativo do Poder Executivo.
Seguem precedentes:
“Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Conselho Municipal. Composição. Inclusão de representantes do legislativo. Inconstitucionalidade. Viola o art. 5º, § 2º da CE o art. 4º da Lei Municipal nº 1.595/2005, com a redação dada pela Lei Municipal nº 1.629, de 09.06.2006, que inclui dois membros do Poder Legislativo na composição do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Ação procedente.
Vejamos o texto da Lei 1.595/2005:
“Art. 4º – O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência – CMPD – será composto paritariamente por dezoito membros titulares e igual número de suplentes, sendo nove representantes do Poder Público (sete do Poder Executivo e dois do Poder Legislativo) e nove da Sociedade Civil (…)” (TJSP, ADIN nº 183.480-0/6, rel. Laerte Sampaio, j. 10/03/2010).
“Inconstitucionalidade. Ação direita. Lei Municipal nº 2.676/02. Item II do art. 2º. Participação de representante do Poder Legislativo no Conselho Alimentar Escolar do Município. Ação procedente. Inconstitucionalidade declarada (ADIN nº 106.924-0/0-00, j. 23/06/2004).
“Ação Direita de Inconstitucionalidade. Objetiva o afastamento do preceito da alínea “f” do art. 2º, da Lei nº 2.552, de 01.09.2000, do município de Lorena, que dispões sobre a inclusão de um representante da Câmara Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. Impossibilidade de participação de membro do Poder Legislativo no órgão que contempla o exercício de função organizacional atinente à Administração Pública. Arguida a usurpação de atribuição exclusiva do Chefe do Executivo, ante a quebra de harmonia e independência entre os poderes. Violação dos preceitos contidos nos artigos 5º e 144 da Constituição Estadual. Ação procedente (ADIN nº 106.927-0/3-00, j. 20/07/2005).
Ante o exposto, o meu voto julga procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar Municipal nº 132/2006, de 26 de dezembro de 2006, art. 29, inciso I, alínea “c” do Município de Taboão da Serra, quando reservou lugar para os representantes do Legislativo, para reduzir o texto e excluir esta representação e interpretar no sentido de que todos os 10 representantes do Poder Municipal sejam oriundos e indicados pelo Poder Executivo.
O Supremo Tribunal Federal divulga no seu sítio um capítulo denominado “A Constituição e o Supremo” no qual elenca diversos precedentes relacionados com artigos da CF/88. Entre os relativos ao artigo 2º, encontrei o seguinte julgado:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
“A ação direta foi proposta em face da EC 24/2002 do Estado de Alagoas, a qual dispôs sobre a organização e a estruturação do Conselho Estadual de Educação, órgão integrante da administração pública que desempenha funções administrativas afetas ao Poder Executivo, conferindo à Assembleia Legislativa o direito de indicar um representante seu para fazer parte do Conselho. A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da administração pública estadual, ainda que por meio de emenda constitucional, revela matéria que se insere, por sua natureza, entre as de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo local, pelo que disposto no art. 61, § 1º, II, e, da CF. (…) A EC 24/2002 do Estado de Alagoas incide também em afronta ao princípio da separação dos Poderes. Ao impor a indicação pelo Poder Legislativo estadual de um representante seu no Conselho Estadual de Educação, cria modelo de contrapeso que não guarda similitude com os parâmetros da CF. Resulta, portanto, em interferência ilegítima de um Poder sobre o outro, caracterizando manifesta intromissão na função confiada ao chefe do Poder Executivo de exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administração pública.” (ADI 2.654, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 13-8-2014, Plenário, DJE de 9-10-2014.)
Desse modo, segundo uma interpretação mais rigorosa da LOMSP, e da Constituição Federal pelo princípio da simetria, não poderia o vereador, como representante do Poder Legislativo, compor conselho ou comissão municipal integrante do Poder Executivo.
Não obstante essas ponderações, as Leis nºs 11198/1992, 14687/2008 e 16120/2015 continuam em vigor; sendo que a Lei nº 14687/2008 teve alguns dispositivos vetados pelo Sr. Prefeito, nenhum deles, porém, era o art. 4º, I, “k”, que previa a participação de um representante da Comissão de Juventude da Câmara Municipal. Sendo assim essas leis continuam a prever a participação de representantes, vale dizer, de vereadores, nos Conselhos de Turismo e dos Direitos da Juventude.
Não é atribuição desta Procuradoria propor ações diretas de inconstitucionalidade. Tal atribuição pertence a outros órgãos do aparelho do Estado, inclusive à Mesa da Câmara Municipal; é, porém, atribuição desta Procuradoria, de acordo com a Lei nº 14259/2007, a representação judicial, a consultoria e o assessoramento técnico-jurídico da Câmara Municipal, (…) prestar assessoramento e consultoria jurídica à Mesa, à Presidência, (…) (artigo 1º caput e inciso VI).
Nessa condição, sinto-me no dever de aconselhar à Presidência da CMSP que se abstenha de indicar os representantes no Conselho Municipal de Turismo e no Conselho Municipal dos Direitos da Juventude, pelas razões acima expostas.
Esta é a minha manifestação, que submeto à apreciação de V.Sa.
São Paulo, 29 de julho de 2015.
Manoel José Anido Filho
Procurador Legislativo Supervisor
OAB/SP n° 83.768
Edilidade solicitando a nomeação de representantes junto ao conselho municipal.