Parecer n° 225/2011

Parecer nº 225/11
Ref.: Processo nº 811/2011 – TID XXXXXXXXXXX
Assunto: concessão/permissão de uso de áreas públicas para clubes desportivos e respectivas contrapartidas – procedimentos no Ministério Público e ações judiciais existentes – propostas legislativas.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Cuida-se de solicitação do Sr. Chefe de Gabinete da Presidência no sentido de se verificar o andamento de inquéritos e outros procedimentos existentes no Ministério Público, referentes à concessão de áreas públicas para os clubes desportivos relacionados no memorando inaugural e respectivas contrapartidas, bem como análise de propostas legislativas sobre a matérias, inclusive legislação comparada.

Às fls. 138/154, foi juntado Parecer da Procuradoria – Setor do Processo Judicial, relatando as normas em vigor autorizativas da outorga de concessão e permissão de direito real de uso aos clubes desportivos relacionados às fls. 02, bem como o andamento dos procedimentos no Ministério Público e ações judiciais ajuizadas sobre o tema em referência. Também foi efetuado um detalhado levantamento da legislação municipal em vigor sobre a matéria aqui tratada.

Dessa forma, a este Setor do Processo Legislativo, nesta oportunidade, cabe a análise de eventuais propostas legislativas buscando sanar os óbices levantados pelo Ministério Público e Poder Judiciário.

Inicialmente cumpre observar que a Constituição Federal estabeleceu como regra geral que os contratos celebrados pela Administração Pública deverão ser efetuados mediante procedimento de licitação, in verbis:

Art. 37.

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Cabe asseverar ainda que nossa Carta Magna, em seu art. 22, inciso XXVII, reservou à União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, o que foi feito com a edição da Lei Federal nº 8.666/93 que assim estabelece:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;
d) investidura;
e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; (Incluída pela Lei nº 8.883, de 1994)
f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)

Postas essas premissas iniciais, passaremos a análise das possíveis soluções para os casos concretos acima ventilados.

I – Concessão de Uso

Segundo levantamento efetuado pelo Setor Judicial, a XXXXXXXXXXX é alvo de Ação Civil Pública pela utilização de área pública sem a devida formalização de instrumento de concessão de direito real de uso autorizado pela Lei Municipal nº 12.003/96.

Por sua vez, o XXXXXXXXXXX é réu, também em Ação Civil Pública, na qual se busca a desconstituição da permissão gratuita de uso de área pública. A decisão favorável ao término da permissão apresentou como fundamento o fato de que a permissão de uso, formalizada por simples decreto, tem caráter precário, podendo ser revogada a qualquer momento sem direito adquirido a ser resguardado.

Dessa forma, uma solução possível para as duas hipóteses, seria a outorga de contrato de concessão de uso, sendo que, no caso do XXXXXXXXXXX, necessária ainda a aprovação de lei autorizativa para tal desiderato, devidamente comprovado o interesse público da medida e o estabelecimento de contrapartidas sociais.

Sobre este aspecto, cabe considerar que, não obstante o previsto na Lei de Licitações, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 927-3, suspendeu a eficácia da expressão “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública” contida no art. 17, I, b, pois no entendimento do referido Tribunal por ocasião da concessão da liminar, ainda vigente, “a lei trataria mal a autonomia estadual e a autonomia municipal, se interpretada no sentido de proibir a doação a não ser para outro órgão ou entidade da Administração Pública. Uma tal interpretação, constituiria vedação aos Estados e Municípios de disporem de seus bens, a impedir, por exemplo, a realização de programas de interesse público (…) Empresto, pois, interpretação conforme à Constituição ao citado dispositivo – art. 17, I, b: a expressão – ‘permitida exclusivamente a outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo’ – somente tem aplicação no âmbito do governo central, vale dizer, no âmbito da União Federal.”

Vemos assim, que o Supremo Tribunal Federal, expressamente com relação à doação de bens municipais, se manifestou no sentido de que – resguardado o interesse público – seu regramento deverá ser feito, de forma autônoma, por cada um dos Estados e Municípios, sob pena de violação do princípio federativo.

Sobre a utilização de bens públicos municipais por terceiros, nossa Lei Orgânica do Município reza em seu art. 114:

Art. 114. Os bens municipais poderão ser utilizados por terceiros, mediante concessão, permissão, autorização e locação social, conforme o caso e o interesse público ou social, devidamente justificado, o exigir.

§ 1º A concessão administrativa de bens públicos depende de autorização legislativa e concorrência e será formalizada mediante contrato, sob pena de nulidade do ato.

§ 2º A concorrência a que se refere o § 1º será dispensada quando o uso se destinar a concessionárias de serviço público, entidades assistenciais ou filantrópicas ou quando houver interesse público ou social devidamente justificado.

§ 3º Considera-se de interesse social a prestação de serviços exercida sem fins lucrativos, voltados ao atendimento das necessidades básicas da população em saúde, educação, cultura, entidades carnavalescas, esportes, entidades religiosas e segurança pública.

Nesta esteira de raciocínio, desde que devidamente comprovado o interesse público na outorga de concessão de uso ao XXXXXXXXXXX – o que deve ser aferido no momento da análise da lei autorizativa, com a fixação de contrapartidas sócias – possível sustentar que referida cessão, sem licitação, não fere ou viola o chamado princípio licitatório.

Nesse sentido, destaque-se a decisão proferida pelo Judiciário Paulista na Apelação Cível nº 702.298.5/5-00(994.07.163417-0), in verbis:

Ação Civil Pública – Pretensão manifestada pelo Ministério Público estadual voltada à declaração de nulidade de concessão de uso de bem público a entidade de direito privado sem a prévia realização de procedimento licitatório, bem como a reparação de eventuais danos causados ao erário municipal – Decreto de procedência da ação que não merece subsistir – Edição da Lei municipal nº 11.891/95, com vistas a autorizar o Executivo a conceder o uso de área municipal à Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a título gratuito e pelo prazo de 50 (cinquenta) anos, que não importou em qualquer ilegalidade – Verificação da presença do interesse público exigido pelo art. 114 da Lei Orgânica do Município para a realização da cessão sem o prévio procedimento licitatório que cabe, em princípio, aos poderes Executivo e Legislativo, deferido ao Judiciário o exame da questão apenas nas hipóteses de abuso ou desvio de finalidade.

II – Alienação

Com relação à alienação da área pública com dispensa de licitação, não houve Adin afastando expressamente a aplicação da Lei nº 8.666/93 (como o ocorrido com relação ao afastamento da restrição da doação, sem licitação, apenas às entidades governamentais).

Todavia, existe precedente do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADin nº 2.990, reconhecendo a legalidade da Lei do Distrito Federal nº 9.262/96 que estabelecia a possibilidade de alienação de imóvel ocupado ao seu atual ocupante, no contexto da regularização fundiária, sem licitação, em razão de suposta “inviabilidade de competição”.

A despeito disso, no tocante a alienação de áreas públicas já utilizadas pelo particular, mediante contrato de concessão ou termo de permissão de uso, nossa Lei Orgânica, em seu art. 24 e § 2º das Disposições Gerais Transitórias da Lei Orgânica do Município, assim dispõe:

Art. 24. A licitação poderá ser dispensada por lei, quando a venda tiver por objeto áreas públicas já utilizadas pelo particular mediante contrato de concessão ou termo de permissão de uso, formalizado até 02 de janeiro de 2003, pelo valor da avaliação do terreno e das benfeitorias realizadas pelo concessionário, a ser efetivada pelo órgão competente da Secretaria de Negócios Jurídicos.
…………………………………
§ 2º A aquisição do imóvel, na forma prevista no “caput” deste artigo, dependerá da expressa manifestação do interessado, no prazo improrrogável de 360 (trezentos e sessenta) dias da data da promulgação desse dispositivo.
(artigo com redação dada pela Emenda 26/05, publicada em 08/06/05)

Saliente-se que referido artigo encontra-se em vigor, tendo, inclusive, fundamentado a edição da Lei nº 14.885, de 14 de janeiro de 2009, que autorizou a alienação de área municipal ao XXXXXXXXXXX.

Dessa forma, caso o XXXXXXXXXXX tenha manifestado expressa intenção na compra do imóvel, no prazo previsto no § 2º do art. 24 das Disposições Gerais da LOM, caberia indicação ao Prefeito para a elaboração e encaminhamento de projeto de lei que tenha por objeto a desafetação da área e a autorização para a sua alienação com dispensa de licitação.

Este é o parecer que submeto à apreciação de Vossa Senhoria.

São Paulo, 04 de agosto de 2011.

Simona M. Pereira de Almeida
Procuradora Legislativa – RF 11.140
OAB/SP 129.078