Parecer 201/2010
Processo nº 1792/2008
TID 3650546
Interessado: O Presidente da Comissão de Julgamento de Licitações – CJL
Assunto: Considerações sobre a utilização de pregão presencial para fixação de Ata de Registro de Preços.
Sr. Procurador Legislativo Supervisor:
O Presidente da Comissão de Julgamento de Licitações – CJL, encaminha consulta referente à possibilidade de realizar Pregão para fixação de ata de registro de preços, com o objetivo de adquirir materiais para manutenção hidráulica das dependências da Edilidade. Argumenta o Presidente que a licitação em curso teria as características de registro de preços e não de pregão, em face da alegada impossibilidade de estimativa de consumo. Acena também, com a recente Súmula 257/2010 do Tribunal de Contas da União:
“O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei n° 10.520/2002”
A Lei 8.666/93, artigo 15, exigia originalmente a modalidade mais elaborada e demorada de licitação para a formação de ARP.
No Município de São Paulo, a Lei 13.278/2002, de 7 de janeiro de 2002, que regula licitação e contratos administrativos é anterior à Lei Federal 10.520/2002, de 17/07/2002, e exigia a licitação na modalidade concorrência:
Art. 5º – O registro de preços será feito mediante concorrência, a ser processada pelo órgão que tenha interesse na contratação de fornecimento ou prestação de serviço, cujas quantidade e periodicidade tenham que ser definidas em função de conveniência futura da Administração Municipal.
Mais tarde, a Lei Federal 10.520/2002, que instituiu o pregão como modalidade de licitação, por ser da mesma hierarquia, alterou e derrogou a Lei 8.666/93, que no artigo 15 exigia a concorrência para a fixação de ata de registro de preços, e tornou possível a ARP por pregão:
Art. 11. As compras e contratações de bens e serviços comuns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade de pregão, conforme regulamento específico.
O regulamento dessa lei federal, Decreto 3.931/2001, com a redação dada pelo Decreto 4.342/2002, deixa ao critério do órgão federal interessado a escolha da modalidade de licitação: concorrência ou pregão:
Art. 3º A licitação para registro de preços será realizada na modalidade de concorrência ou de pregão, do tipo menor preço, nos termos das Leis nos 8.666, de 21 de julho de 1993, e 10.520, de 17 de julho de 2002, e será precedida de ampla pesquisa de mercado.(Redação dada pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002).
O Decreto municipal 44.279/2003, que é posterior à Lei Federal 10.520/2002, é omisso quanto à modalidade de licitação que pode ser empregada na formação da ata. Mas menciona que “poderão ser objeto de registro de preços os materiais e os serviços, considerados de uso habitual ou rotineiro, para os quais não se possa prever o exato quantitativo a ser demandado pela administração” (art. 26), o que vem ao encontro do que se cogita nos autos.
Na Administração do Estado de São Paulo, a possibilidade está prevista em decreto do governador do estado – Decreto 47.945/2003, artigo 8°:
Artigo 8º – As licitações para o SRP serão realizadas nas modalidades Pregão e Concorrência, nos termos da Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002 e da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, respectivamente, adotando-se o tipo menor preço.
Parágrafo único – O SRP será precedido de ampla pesquisa de mercado.
O decreto estadual também é posterior à Lei 10.520/2002, ao contrário da Lei Municipal 13.278/2002.
Pois bem
À União compete legislar privativamente sobre normas gerais de licitação e contratação:
CF, Art. 22
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Aquilo que a lei federal dispuser em um certo sentido, como norma geral, não poderá ser contrariado pela lei local no que couber à sua competência.
Assim, parece-me que se trata de um caso de derrogação de lei – ordinária federal – por outra da mesma hierarquia. Para o que antes a Lei 8.666/93 exigia somente na modalidade concorrência, a Lei 10.520/2002 passou a permitir que fosse feito por pregão.
Em artigo na revista Boletim de Direito Municipal de maio deste ano foi publicado acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná no qual o tribunal respondeu consulta formulada pelo prefeito do município de Toledo (cópia anexa). A consulta versava sobre a possibilidade de utilização de pregão eletrônico para implantação do sistema de registro de preços. Na resposta a essa consulta, a corte de contas do Paraná respondeu afirmativamente a essa possibilidade, com fundamento no mesmo artigo da Lei 10.520/2002, o artigo 11, inclusive com a possibilidade do pregão eletrônico, naquela consulta.
Daí se pode concluir que a CMSP pode realizar licitação na modalidade pregão presencial para fixar ata de registro de preços.
Mas a resposta não se esgota aí.
Marçal Justen Filho, em sua consagrada obra sobre licitações e contratos administrativos, 12ª edição, 2008, Editora Dialética, página 201, alerta:
“O pregão é uma modalidade de licitação, enquanto o registro de preços é um sistema de contratações. Isso significa que o pregão resulta num único contrato (ainda que possa ter execução continuada), enquanto o registro de preços propicia uma série de contratações, respeitados os quantitativos máximos e a observância do período de um ano. Dito de outro modo, o pregão se exaure com uma única contratação, enquanto o registro de preços dá oportunidade a tantas contratações quantas forem possíveis (em face dos quantitativos máximos licitados e o prazo de validade).
Por outro lado, o pregão envolve contratação de bem ou serviço comum. Já o registro de preços não demanda esse requisito. No entanto, a maior utilidade do registro de preços envolverá bens e serviços comuns. Quanto mais específico o bem, tanto menos útil será promover o registro. É que a especificidade do bem se traduz na necessidade de prazos mínimos para sua produção, o que dificulta fornecimento imediato. Mas até se podem imaginar certas situações em que bens especiais, adquiridos apenas e exclusivamente pela Administração, e que não se encontram no mercado, venham a ser objeto de registro de preços.
A questão merece destaque para evitar que a difusão do pregão e a admissibilidade de sua utilização para implantação do sistema de registro de preços conduzam a práticas despropositadas. Seria inadmissível concluir que o pregão sempre seria adequado para a implantação do registro de preços. Assim não o é. Será necessário verificar se os produtos e serviços registrados preenchem os requisitos exigidos pela legislação do pregão. Se não preencherem, será vedada a utilização do pregão para implantação do sistema de registro de preços.
Essas preocupações foram incorporadas pelo próprio TCU, que chegou a reconhecer que somente podem ser adquiridos mediante sistema de registro de preços bens e serviços destituídos de peculiaridades, aptos a satisfazer necessidades padronizadas de diversos órgãos administrativos.”
A seguir, o autor faz um enumerado de diversos acórdãos do TCU em abono da sua tese (Acórdãos 531/2007; 2392/2006 e 668/2005, todos do Plenário).
Assim, ainda que seja possível juridicamente a fixação de ata de registro de preços, os seus pressupostos deve ser bem observados.
Em outras palavras, seria preferível utilizar o sistema de registro de preços em contratações de grandes volumes, o que não parece ser o caso. Na CMSP, a utilidade da ata de registro de preços seria muito limitada, apenas para uso interno, eis que a ARP da Edilidade dificilmente seria utilizada por outro órgão da Administração municipal, em virtude de seus pequenos volume e limite máximo (comparados com a escala da Prefeitura), mesmo que se trate de bens de uso comum, como os itens de manutenção hidráulica.
Por fim, consulta o Presidente sobre a possibilidade de realizar o registro de preços sem a consulta prévia aos outros órgãos da Administração Pública do Município.
A resposta também me parece afirmativa, pelos motivos acima elencados. Porém, do mesmo modo, seria prudente encaminhar questionamento escrito para verificar, por outro lado, se já não existe, no âmbito muito maior da Administração Municipal, ata de registro de preços para os mesmos itens, de molde a atender as necessidades da Edilidade.
É o parecer, que submeto à sua criteriosa apreciação.
São Paulo, 4 de agosto de 2010.
Manoel José Anido Filho
Procurador Legislativo
OAB/SP nº 83.768
Ref.: Parecer nº 201/2010
Processo nº 1792/2008
Sr. Procurador Legislativo Chefe
Estando de acordo com o parecer elaborado pelo Procurador Legislativo Manoel José Anido Filho, encaminho o presente processo para apreciação de V.Sa. e regular prosseguimento.
Outrossim, a par das valiosas considerações e conclusões alcançadas na r. manifestação em epígrafe, cumpre aduzir as observações a seguir.
Versa a consulta, em seu primeiro ponto, “… a respeito da possibilidade de realizar Registro de Preços, por intermédio de Pregão, tendo em vista que a Lei nº 13.278/2002, no artigo 5º dispõe que o reajuste de Preços será feito mediante concorrência” (fls. 721; destaques do original). Logo antes, ao final de fls. 1720, o i. consulente menciona ter sido elaborada, antecipadamente por economia processual, uma “Minuta de Edital para Formaçãode Registro de Preços, na modalidade Pregão, que segue sob fls. 1559 a 1713” (onde se verifica tratar-se de uma Minuta de Edital para Formação de Ata de Registro de Preços na forma de Pregão Presencial (fls. 1559).
Quanto a esse ponto é de observar-se, inicialmente, que a possibilidade em tese de ser realizado registro de preços mediante pregão ao invés de concorrência está hoje assentada, desde o advento da Lei nº 10.520/2002, conforme apontado com propriedade no r. Parecer em epígrafe, bem como no r. Parecer reproduzido às fls. 1554-1557 (Parecer nº 85/10, de lavra da i. Procuradora Legislativa Maria Nazaré Lins Barbosa, datado de 13/04/10, quando prestava a autora seus bons ofícios neste Setor da Procuradoria da CMSP).
No tocante à possibilidade de a CMSP realizar registro de preços (no caso em apreço, por pregão presencial, conforme se infere por remissão constante na consulta), essa possibilidade, presente em tese, pode mostrar-se em circunstâncias previstas na legislação de regência, apontada nas r. manifestações já mencionadas.
Dispõe a Lei nº 13.278/02 (art. 3º) que “o fornecimento de materiais em geral e a prestação de quaisquer serviços, em ambos os casos, desde que habituais ou rotineiros, poderão ser contratados pelo sistema de registro de preços”. No que tange à modalidade pregão, estabeleceu o art. 11 da Lei nº 10.520/02 que as compras e contratações de bens e serviços comuns, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços, poderão adotar a modalidade pregão. Ainda, o art. 5º, caput, da Lei nº 13.278/02 previu a realização de registro de preços na contratação de fornecimento ou prestação de serviço, cujas quantidade e periodicidade tenham que ser definidas em função de conveniência futura da Administração municipal.
Quanto a este último aspecto, a consulta menciona que: “Diante da impossibilidade da previsão de estimativa de consumo, conforme insistentemente alega verbalmente a área requisitante e, por outro lado, a necessidade para essa aquisição, entendemos não restar alternativa senão a formação de Registro de Preços (fls. 1718, in fine; destaques do original).
Cumpre assinalar que se mostra necessário que, a circunstância de impossibilidade da previsão de uma estimativa de consumo que possa apresentar uma dose razoável de segurança, quanto ao atendimento das necessidades da Administração, conforme alegada verbalmente, segundo a consulta, seja nos autos objeto de justificativa e detalhamento mais circunstanciados, de modo a trazer elementos de informação mais esclarecedores acerca da verificação dessa circunstância, emprestando assim maior segurança e melhores condições de formação de convencimento ao órgão decisório.
Idêntica situação se verifica, relativamente à necessidade de maior detalhamento, quanto à verificação da necessidade de uso habitual ou rotineiro por parte da CMSP (órgão público promotor do registro de preços), dos produtos objetos da aquisição na forma pretendida (nos termos do art. 3º da Lei nº 13.278/02.
Quanto ao segundo e último ponto da consulta, qual seja, “sobre a possibilidade de realizar o Registro de Preços sem a consulta prévia aos outros órgãos da Administração Pública do Município de São Paulo”, cumpre aduzir a observação a seguir delineada.
No Ato nº 878, de 28/04/2005, a E. Mesa da CMSP dispôs que “Os procedimentos de licitação, incluindo o pregão eletrônico, e os contratos administrativos, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, sujeitar-se-ão à legislação federal e à Lei Municipal nº 13.278/2002, e observarão, no que couber, as normas previstas nos Decretos nºs. 44.279/02 e 43.406/03 baixadas pelo Executivo Municipal” (art. 1º), bem como que “Serão aplicadas às licitações e contratos administrativos desta Edilidade, no que couber e for pertinente, as normas específicas estabelecidas pelo Poder Executivo do Município de São Paulo, que não contrariarem as normas gerais previstas na legislação federal” (art. 2º).
De seu turno, o caput do art. 30 do Decreto nº 44.279/03, baixado pelo chefe do Executivo Municipal, estabeleceu que “Para efetuar o registro de preços, o órgão responsável deverá consultar os demais sobre o interesse pelo material ou serviço cujo preço será registrado, (…)”. Tal dispositivo, em tese, parece não se mostrar contrário às normas gerais previstas na legislação federal sobre a matéria.
Assim, ressalvada a eventualidade de alteração do Ato nº 878/2005, nesta parte, parece-nos que deve ser feita consulta a consulta prévia disposta no art. 30 do Decreto Mun. nº 44.279/03, com o conteúdo e para a finalidade ali prevista, sem prejuízo de, em momento anterior, ser considerada a recomendação contida ao final do parecer em epígrafe, aqui também perfilhada, no sentido de que “seria prudente encaminhar questionamento escrito para verificar, por outro lado, se já não existe, no âmbito muito maior da Administração Municipal, ata de registro de preços para os mesmos itens, de molde a atender as necessidades da Edilidade”.
São Paulo, 11/08/10.
Sebastião Rocha
OAB/SP nº 138.572
Procurador Legislativo Supervisor
Setor de Contratos e Licitações