Parecer nº 194/2010
Memo CTI nº. 44/2010
TID 6220207
Assunto: Contratação de serviços de digitalização dos acervos documentais da CMSP.
Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
O presente expediente foi encaminhado a esta Procuradoria para análise e manifestação sobre as implicações jurídicas da execução dos serviços de digitalização do acervo documental da Edilidade em ambiente da contratada, bem como armazenagem externa física, permanente ou temporária desses documentos.
I. Quanto à digitalização dos documentos
A Constituição Federal de 1988 estabelece que:
“Art. 5º – ……………………………………………………………………………………….
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
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XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
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“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”
No âmbito do Município de São Paulo, a Lei nº 14.141, de 27 de março de 2006, que dispõe sobre o processo administrativo na Administração Pública Municipal, estatui o seguinte:
“Art 5º São direitos do munícipe, entre outros:
II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;”
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“Art 14 São legitimados como interessados no processo administrativo:
I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem ou nele figurem;
II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser proferida;
III – as, pessoas, organizações e associações regularmente constituídas, no tocante a direitos e interesses coletivos e difusos.”
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“Art. 41 Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integrem, ressalvados os protegidos por sigilo, nos termos da Constituição Federal.”
O inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição da República é regulado pela Lei Federal nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, nos seguintes termos:
“Art. 4º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.”
“Art. 6º Fica resguardado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação do sigilo, sem prejuízo das ações penal, civil e administrativa.”
“Art. 21. Legislação estadual, do Distrito Federal e municipal definirá os critérios de organização e vinculação dos arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o acesso aos documentos, observado o disposto na Constituição Federal e nesta lei.”
“CAPÍTULO V
Do Acesso e do Sigilo dos Documentos Públicos
Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.
Art. 23. Decreto fixará as categorias de sigilo que deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos documentos por eles produzidos.
§ 1º Os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos.
§ 2º O acesso aos documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado será restrito por um prazo máximo de 30 (trinta) anos, a contar da data de sua produção, podendo esse prazo ser prorrogado, por uma única vez, por igual período.
§ 3º O acesso aos documentos sigilosos referente à honra e à imagem das pessoas será restrito por um prazo máximo de 100 (cem) anos, a contar da sua data de produção.
Art. 24. Poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da parte.
Parágrafo único. Nenhuma norma de organização administrativa será interpretada de modo a, por qualquer forma, restringir o disposto neste artigo.”
A Lei Federal nº 11.111, de 05 de maio de 2005, que regulamenta a parte final do inciso XXXIII, do artigo 5º da Constituição Federal, prescreve que:
“Art. 7o Os documentos públicos que contenham informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas, e que sejam ou venham a ser de livre acesso poderão ser franqueados por meio de certidão ou cópia do documento, que expurgue ou oculte a parte sobre a qual recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal.”
“Parágrafo único. As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3o do art. 23 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991. “
Diante da legislação acima mencionada, é certo concluir que o princípio da publicidade que permeia a atividade da Administração Pública não é absoluto, o acesso às informações contidas nos processos administrativos é limitado. Ademais, os processos administrativos referentes à segurança da sociedade e do Estado, assim como os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem de pessoas são considerados originariamente sigilosos e, portanto, o acesso ao seu conteúdo, seu manuseio e transporte são ainda mais restritos e deverão ser revestidos de rígidos controles a fim de assegurar a inviolabilidade de seu conteúdo.
Desse modo, entendo que, a despeito do local onde os serviços serão realizados, seja na Edilidade, seja nas dependências da empresa, seja em outro lugar, a contratada deverá estar plenamente ciente de seu dever de sigilo e das consequências civis, administrativas e penais advindas de eventual descumprimento desta obrigação.
No âmbito da Administração Pública Federal, o Decreto Federal nº 4.553, de 27/12/2002, que regulamenta a já referida Lei nº 8.159/1991, dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da sociedade e do Estado e estabelece, dentre outras normas, a classificação dos documentos em ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados, em razão de seu teor ou elementos intrínsecos; o registro, a tramitação e guarda dos documentos sigilosos; o transporte para o deslocamento de material sigiloso; as obrigações que deverão constar do instrumento contratual que assegurem a inviolabilidade do sigilo.
Na esfera deste Município, não logrei localizar legislação específica a respeito desta matéria.
Contudo, a fim de assegurar a inviolabilidade do conteúdo dos documentos que serão objeto de digitalização, o edital deverá exigir a comprovação, pelos interessados em participar do certame, de aptidão para o desempenho do objeto, indicação das instalações, com condições de guarda e armazenamento dos documentos, do aparelhamento e qualificação da equipe técnica que executará o objeto. O gestor deverá delinear todos os requisitos técnicos específicos que os participantes da licitação terão que demonstrar para comprovar deterem condições de assumir as obrigações contratuais.
O contrato que será firmado pela Edilidade deverá prever expressamente que competirá à contratada, dentre outras obrigações: a) manter o mais completo e absoluto sigilo sobre quaisquer dados e informações que venha a ter conhecimento ou acesso com a prestação dos serviços objeto da contratação e não poderá, sob qualquer pretexto, reproduzir, divulgar, revelar ou dar conhecimento a terceiros de seu conteúdo, sob as penas da lei; b) adotar as medidas de segurança adequadas, no âmbito das atividades sob seu controle, para a manutenção do sigilo relativo ao objeto contratado; c) informar a qualificação das pessoas que, em seu nome, terão acesso a material, dados e informações sigilosos.
Durante a execução do contrato, o gestor deverá elaborar um inventário dos documentos que serão digitalizados e lavrar Termo de Retirada e Termo de Devolução de Documentos, de tal modo que haja rígido controle da movimentação desses documentos.
Entretanto, a fim de minimizar o risco de eventual vazamento de informações sigilosas, notadamente as que dizem respeito a intimidade, a honra e a vida privada, a Administração poderá exigir que estes documentos, bem como outros que entenda conveniente, sejam digitalizados exclusivamente no âmbito da Câmara, sob a supervisão de servidores da Edilidade.
II – ARMAZENAGEM FÍSICA DOS DOCUMENTOS PÚBLICOS
A referida Lei nº 8.159/91 prescreve que:
“Art. 7º Os arquivos públicos são os conjuntos de documentos produzidos e recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias.
…
Art. 17 A administração da documentação pública ou de caráter público compete às instituições arquivísticas federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais.
…
§ 4º São Arquivos Municipais o arquivo do Poder Executivo e o arquivo do Poder Legislativo.
…
Art. 21 Legislação estadual, do Distrito Federal e municipal definirá os critérios de organização e vinculação dos arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o acesso aos documentos, observado o disposto na Constituição Federal e nesta lei.”
O Decreto nº 4.073, de 03 de janeiro de 2002, que regulamenta a mencionada Lei nº 8.159/91, criou o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, órgão colegiado, vinculado ao Arquivo Nacional, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo.
O CONARQ expediu a Resolução nº 6, de 15 de maio de 1997, que dispõe sobre diretrizes quanto à terceirização de serviços arquivísticos públicos, nos seguintes termos:
“Art. 2º A guarda dos documentos públicos é exclusiva dos órgãos e entidades do Poder Público, visando garantir o acesso e a democratização da informação, sem ônus, para a administração e para o cidadão.
Art 3º Poderão ser contratados serviços para a execução de atividades técnicas auxiliares, desde que planejados, supervisionados e controlados por agentes públicos pertencentes aos órgãos e entidades produtores e acumuladores de documentos”.
A leitura desses dispositivos permite inferir que a guarda dos documentos públicos em caráter permanente é exclusiva da Edilidade.
Ademais, em 16/06/2008, o CONARQ expediu a Resolução nº 27, que estabelece o seguinte:
“Art 1º O Poder Público, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverá, por meio de lei específica de arquivos, definir os critérios de organização sistêmica da gestão arquivística de documentos públicos e dos serviços arquivísticos governamentais, bem como a criação e a vinculação do Arquivo Público e os mecanismos de difusão e acesso aos registros públicos, em conformidade com o art. 21, da Lei Federal de Arquivos nº 8.159, de 1991.
…
Art 2º O Arquivo Público referido no art 1º, por exercer atividades típicas de Estado, deverá ser dotado obrigatoriamente de:
I – Autonomia de gestão e posicionamento hierárquico na estrutura funcional do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que lhe permita desempenhar as prerrogativas definidas nessa Resolução.
II – Infra-estrutura física, material e tecnológica adequadas para a guarda, armazenamento e preservação de documentos de acordo com as normas e a legislação em vigor…
….
Art 5º Pela lei específica de arquivos, referida no caput do art 1º, a ser editada pelo Poder Público, no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, deverá ser criado um sistema de arquivos que contemple programa de gestão de documentos de arquivo, o qual poderá englobar uma ou mais esferas dos Poderes constituídos, tendo o Arquivo Público de seu âmbito como órgão central, integrado ao Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, conforme art. 12 do Decreto Federal nº 4.073, 3 de janeiro de 2002 (sic).
Diante da legislação acima transcrita, tendo em vista a política nacional de arquivos públicos, a guarda dos documentos públicos deste legislativo, em caráter permanente, compete exclusivamente à Edilidade e não poderá ser delegada a terceiros.
Por fim, observo que a Edilidade deverá adotar as Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes do CONARQ, conforme Resolução nº 31, de 28/04/2010 daquele órgão.
É o parecer que submeto à apreciação de V.Sa.
São Paulo, 03 de agosto de 2010.
Maria Helena Pessoa Pimentel
Procuradora Legislativa
OAB/SP nº 106.650