Parecer n° 18/2006

ACJ – Par. nº 018/06

Ref: Proc. 1329/2005
Assunto: Alteração de cláusulas; certame homologado e objeto
adjudicado;impossibilidade de alteração; princípio da isonomia.

Sra. Advogada Supervisora,

Trata-se de requerimento de empresa que foi vitoriosa no Pregão nº 31/05, cujo edital encontra-se às fls. 121/153, e foi devidamente publicado no DOC de 14.10.05, pág. 57, 2ª coluna, conforme certificado à fl. 156.

O certame foi homologado (fl. 357), adjudicando-se o objeto à recorrente, a empresa “XXX.”

A minuta de contrato foi elaborada fielmente de acordo com o aludido edital, tendo em vista que esse é vinculante, a fim de garantir a igualdade de condições de participação entre todos os licitantes.

Expedidas as vias do Contrato para assinatura pela Requerente, ocorre que esta insurgiu-se contra a redação da cláusula 3.1, relativa à garantia do produto, alegando, em suma, que:

1. enviou proposta comercial contendo expressamente os termos da garantia ofertada, e não a estabelecida pelo edital;
2. a Cláusula 3.1 é nula de pleno direito, “colocando o fornecedor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatível com a boa fé ou a eqüidade”.
3. a “garantia de pleno funcionamento por 05 anos subtrai do fornecedor o justo direito do reembolso por intervenções decorrentes de mau uso ou acidentes alheios à sua responsabilidade” .
4. a garantia ofertada é restrita a eventuais defeitos de fabricação, excluídos os relativos ao desgaste pelo uso e regulagens;
5. a relação comercial se encerra com a entrega e o recebimento da mercadoria pela Edilidade.

Não procedem, de forma alguma, os argumentos apresentados.

Igualmente, não há como, na atual fase da contratação, alterar as cláusulas contratuais.

Se não, vejamos.

Ao que parece, a vencedora do certame quer fazer prevalecer a proposta apresentada em detrimento da oferta pública editalícia da Administração Pública.

Ora, o edital é a “lei” da licitação, uma vez que norteia todas as propostas dos participantes, em igualdade de condições.

Dessa forma, ao participar de uma licitação o licitante adere às condições apresentadas pela Administração Pública, consubstanciada no Edital, o qual por sua vez deve conter todos os detalhes, como é o caso.

Nesse sentido é o art. 41 da Lei 8.666/93:

“Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.”

Nesse sentido a lição de Marçal Justen Filho:

“O instrumento convocatório cristaliza a competência discricionária da Administração, que se vincula a seus termos. Conjugando a regra do art. 41 com aquela do art. 4º., pode-se afirmar a estrita vinculação da Administração ao edital, seja quanto a regras de fundo quanto àquelas de procedimento. Sob um certo ângulo, o edital é o fundamento de validade dos atos praticados no curso da licitação, na acepção de que a desconformidade entre o edital e os atos administrativos praticados no curso da licitação se resolve pela invalidade destes últimos. Ao descumprir normas constantes do edital, a Administração Pública frustra a própria razão de ser da licitação. Viola os princípios norteadores da atividade administrativa, tais como a legalidade, a moralidade, a isonomia.” (in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, ed. Dialética, 2002, pág.384)

Não se conformando com as condições apresentadas pela Administração, o licitante, ou qualquer um do povo, poderá impugná-las, a fim de ver sanado qualquer vício.

Para tanto, deve apresentar RECURSO ADMINISTRATIVO TEMPESTIVO, nos termos do § 1º do mesmo dispositivo apontado:

“§ 1º. Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1º. do art. 113”.

Quedando-se silente, o licitante aquiesce com os termos do certame, como dispõe o § 2º:

“§ 2º. Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a Administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.”

Se alterada a cláusula, nos termos em que solicitados pela licitante, toda a licitação restará prejudicada, posto que o contrato restará em desacordo com o Edital, o qual foi a base para a apresentação das propostas e cálculo dos preços.

Isto porque a alteração posterior de cláusula contratual fere frontalmente o princípio da isonomia, visto que prejudicaria todos os licitantes que nela se basearam para o cálculo de seus custos, e conseqüentemente poderiam apresentar proposta mais baixa se limitada a garantia, como pretende a requerente.

Ainda Marçal Justen Filho:

“O descumprimento de qualquer regra do edital deverá ser reprimido, inclusive através dos instrumentos de controle interno da Administração Pública. Nem mesmo o vício do edital justifica pretensão de ignorar a disciplina por ele veiculada. Se a Administração reputar viciadas ou inadequadas as regras contidas no edital, não lhe é facultado pura e simplesmente ignorá-las ou alterá-las. Verificando a nulidade ou a inconveniência dos termos do edital, a Administração poderá valer-se de suas faculdades para desfazimento dos atos administrativos. Porém, isso acarretará necessariamente o refazimento do edital, com invalidação do procedimento licitatório já desenvolvido. Deverá ser reiniciado o procedimento lilcitatório (inclusive com novas publicações pela imprensa). Ter-se-á, na verdade, novo procedimento licitatório. Esse princípio foi expressamente consagrado no art. 21, § 4º, da Lei nº 8.666.” (idem, pág. 385)

Portanto, a cláusula ora guerreada somente poderia ter sido impugnada quando na oportunidade pertinente, antes da abertura dos envelopes, conforme o § 2º. do art. 41.

Nas palavras de Carlos Ari Sunfeld, “De acordo, então, com o art. 41-§2º., o licitante que não impugnar o edital até o segundo dia útil anterior à abertura dos envelopes de habilitação decairá do direito de fazê-lo administrativamente” (in “Licitação e Contrato Adminsitrativo”, Malheiros Editores, pág. 185).

A questão está, portanto, preclusa (em que pese o dispositivo mencionar a decadência).

Ainda que tendo se operado a preclusão, cabe um comentário acerca da limitação de responsabilidade proposta pela Requerente.

A Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, estabelece “normas de proteção e defesa do consumidor” (art. 1º), e não do fornecedor, como quer a Requerente.

Os termos de garantia previstos no código, assim como as demais normas, são direitos mínimos relativos ao consumidor, ou seja, a parte hiposuficiente na relação de consumo.

Ainda, não há como se considerar nula a cláusula de garantia, posto que se trata de condição meritória da proposta pública da Administração.

Por fim, em decorrência das condições e peculiaridades desse tipo de contratação, por óbvio a relação jurídica não se encerra com a tradição (entrega) do bem, pois os efeitos jurídicos devem ser suportados por ambas as partes, nos termos das condições contratuais, e eventualmente legais, notadamente as relativas à qualidade do produto.

Dessa forma, diante de todo o exposto, sugiro seja a Requerente notificada do prazo de 03 (três) dias para a assinatura do contrato, estabelecido no item 12.2 do Edital, para que formalize a contratação, facultando-lhe desistir do contrato, hipótese em que ficaria obrigada ao pagamento da multa prevista no item 17.3 de 20% (vinte por cento) do valor da proposta apresentada por si, convocando-se a segunda colocada.

Para tanto, encaminho em anexo minuta de ofício, nos termos mencionados, à guisa de sugestão.

Este é o parecer, s.m.j., que se submete à superior apreciação, com a devida consideração e respeito.
São Paulo, 23 de janeiro de 2006.

ROGÉRIO J. DE SORDI
Assessor Técnico Legislativo
Advogado – OAB/SP nº 123.722