Parecer Procuradoria nº 155/10
Assunto: Consulta do nobre Vereador xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx sobre a constitucionalidade de projetos autorizativos ou que gerem receita ao Município.
Sr. Procurador Chefe,
Consulta-nos o nobre Vereador xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, acerca da constitucionalidade de projetos de lei de autoria de vereador que gerem receita ao Município, in verbis:
“1. Projeto de Lei de autoria de vereador que gere receita ao Município é inconstitucional? O Projeto pode ser autorizativo?”
Vê-se, assim, que nos é feita uma consulta, em tese, da constitucionalidade e legalidade de um projeto de lei que tenha por resultado a geração de receita sem, contudo, estabelecer o seu objeto.
A título argumentativo, passamos as seguintes considerações.
À Constituição Federal de 1988 coube estabelecer a divisão de competências entre os entes da federação.
Assim, aos Municípios, nos termos do artigo 30 do texto constitucional, competirá:
“Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V – organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;
VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”.
Por outro lado, embora a regra no processo legislativo seja a iniciativa concorrente, existem, no texto constitucional e em nossa Lei Orgânica, hipóteses nas quais a iniciativa das proposituras encontra-se reservada ao Chefe do Poder Executivo, análise esta que também deve ser feita para se perquirir se uma propositura é ou não constitucional.
Cumpre lembrar ainda que o entendimento majoritário na jurisprudência é no sentido de que os projetos com vício de iniciativa (projetos propostos por Vereador em matéria reservada privativamente à iniciativa legislativa do Executivo, tais como as previstas no art. 37, § 2º; art. 69; art. 70 e art. 111 da Lei Orgânica) apresentam vício formal insanável até mesmo pela sanção do Prefeito.
Tecidas essas considerações iniciais acerca da distribuição de competências e iniciativa legislativa dos projetos, passemos a análise da questão que nos foi colocada, ou seja, se projeto de lei de autoria de vereador que gere receita ao Município é inconstitucional.
Primeiramente cumpre observar que a pergunta que nos é posta é feita sem a delimitação de qual seria o objeto do projeto, o que nos dificulta a resposta, vez que a inconstitucionalidade e ilegalidade de um projeto somente pode ser aferida a partir da análise de seu objeto e não de seus efeitos (geração de receita, por exemplo).
Em apertada síntese podemos colocar, nos termos da Lei Orçamentária Anual (Lei nº 15.089/09), que configuram receitas do município às decorrentes de tributos, contribuições, serviços e administração de patrimônio.
Os Vereadores detém competência para legislar sobre matéria tributária, majorando ou reduzindo tributos que, em sua essência, visam tão somente constituir receita para o Município.
Assim, se a indagação se refere a projeto de lei de iniciativa de Vereador que aumenta a alíquota de determinado tributo, a resposta é negativa no sentido de que tal propositura não apresentaria qualquer vício de iniciativa formal, uma vez a matéria se insere no âmbito da competência municipal (art. 30, III, da CF) e é de iniciativa tanto do Prefeito como de Vereador, ressalvando-se, por oportuno, que a análise do caso concreto competirá à D. Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa a quem caberá perquirir acerca de sua compatibilidade com os princípios constitucionais tributários.
Outra possibilidade que, em tese, se encaixaria no escopo da questão que nos é colocada, seria um projeto de lei autorizando a alienação de um determinado bem público municipal, por exemplo, o que indubitavelmente geraria receita ao Município.
No entanto, embora caiba à Câmara autorizar a alienação de bens imóveis municipais, ressalvadas as hipóteses nela previstas (art. 13, X, LOM), a administração dos bens públicos municipais é reservada ao Prefeito, nos termos dos arts. 69, VI e 111 da Lei Orgânica. Dessa forma, somente ao Prefeito caberia a iniciativa de projeto de lei que tenha por objeto a obtenção de autorização legislativa para alienação de um bem sob sua administração, devendo ser aplicado o Precedente Regimental nº 02/93 que reza:
“Leis autorizativas impróprias, isto é, autorizações por lei que o Legislativo concede ao Executivo, sem que este as tenha pedido, são INCONSTITUCIONAIS, ferindo o princípio da separação entre os Poderes.
Os projetos autorizativos impróprios serão restituídos ao autor, por manifestamente inconstitucionais, nos termos do art. 212, inciso I, do Regimento Interno”.
Além desses projetos que tem por objetivo gerar receita para o Município, existem outros que, embora possuam objetivo diverso, acabam por acarretar no incremento dos cofres municipais, tais como, multas impostas em razão da atuação do poder de polícia, zona azul e pedágio urbano, por exemplo.
Passemos à análise de cada um desses exemplos.
Projeto de lei de iniciativa de Vereador que impõe ao particular uma multa administrativa em razão do descumprimento de um preceito relativo ao Código de Obras, por exemplo:
Nesse caso, a propositura não apresentaria qualquer vício formal de ilegalidade ou inconstitucionalidade, cabendo a análise quanto a seu aspecto material, a partir do caso concreto, à Douta Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa.
Projeto de lei de iniciativa de Vereador que aumenta o valor da zona azul:
Tal projeto resultaria inconstitucional por vício formal de iniciativa, vez que nos termos dos artigos 70, inciso VI e 111, ambos da Lei Orgânica Municipal, cabe ao Chefe do Poder Executivo a administração dos bens públicos municipais.
Oportuna, por fim, é a manifestação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (ADIn nº 113.758-0/8-00. Relator Des. Barbosa Pereira. DJ 25/08/05) que tem julgado inconstitucionais leis de iniciativa parlamentar que dispõem sobre a regulamentação da denominada zona azul, consoante trecho abaixo reproduzido exemplificativamente:
Inconstitucionalidade – Ação Direta – Lei Municipal nº 3.233/2003 – Acrescentou letra “E” e o § 1º ao artigo 5º da Lei nº 2.749/1999 – Permitiu o estacionamento de veículos das pessoas residentes nos limites da Zona Azul, mediante autorização colocada no veículo naquele local – Lei de iniciativa exclusiva do Prefeito – Ofensa à Constituição Estadual – Vício de iniciativa – Ação procedente – Inconstitucionalidade declarada.
……………………….
A matéria tratada no diploma normativo em questão diz respeito à administração de bens da coletividade e à regulamentação de serviços públicos, de competência exclusiva da Prefeitura Municipal.
Cumpre relembrar que redigir o projeto na forma meramente autorizativa não afasta a ilegalidade formal da proposta e acarreta na aplicação do já citado Precedente Regimental 02/93 que determina a sua restituição ao autor nos termos do art. 212, I, do Regimento Interno.
Projeto de lei de iniciativa de Vereador que institui pedágio urbano:
Embora a matéria constante da propositura seja de competência municipal, uma vez que a própria Carta Magna atribui ao Município competência para ordenar o trânsito urbano e o tráfego local (art. 30, I e V da CF), tal projeto padeceria de inconstitucionalidade por vício formal de iniciativa porque, nos mesmos moldes da zona azul, cabe ao Chefe do Poder Executivo a administração dos bens públicos municipais nos termos dos artigos 70, inciso VI e 111, ambos da Lei Orgânica Municipal.
Por oportuno, a título ilustrativo, mencione-se o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da ADI 131.107-0/-00, julgada em 25/04/07, acerca do tema da administração das vias públicas:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal n. 6000/2003, de Guarulhos – Legislação, de iniciativa parlamentar, que prevê prolongamento de determinada rua da cidade – Impossibilidade – Ordenação de via urbana – Matéria de cunho eminentemente administrativo – Função legislativa da Câmara dos Vereadores possui caráter genérico e abstrato – Planejamento urbano constitui-se de diversos atos executivos – Lei dispôs de maneira concreta, afrontando o princípio de separação dos poderes – Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da norma”. (grifamos)
Cabe observar que o Código de Trânsito Brasileiro corrobora tal assertiva ao declarar competir "aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais" (art. 24, II, 1ª parte, da Lei Federal nº 9.503/97).
Esse é o parecer que submeto à sua elevada apreciação.
São Paulo, 16 de junho de 2010.
Simona M. Pereira de Almeida
Procuradora Legislativa – Setor do Processo Legislativo
OAB/SP 129.078