Parecer n° 154/2009
TID nº 3994060
Interessado: XXX
Assunto: Apuração de Responsabilidade decorrente de acidente ocorrido no estacionamento da Câmara Municipal de São Paulo
Sr. Procurador Legislativo Supervisor:
Trata-se de memorando encaminhado pelo 30º Gabinete, Vereadora XXX, por meio do qual a parlamentar comunica acidente ocorrido no estacionamento desta Edilidade, envolvendo o veículo de sua funcionária, Sra. XXX.
Segundo consta, a funcionária apontada, por volta das 13:00 horas do dia 10 de março de 2009, teria entrado no recinto desta Casa através do segundo subsolo com seu carro Honda Fit, cor verde, ano 2008, placa XXX, e estacionado em vaga que se encontrava imediatamente ao lado do setor de Marcenaria. Ao entrar na vaga, uma placa de madeira texturizada (folhas 03) teria caído e atingido a lateral direita do veículo, causando danos à sua funilaria.
A vítima juntou fotos tanto da placa texturizada quanto de seu veículo (folhas 03/08). Às folhas 09 do expediente, foi juntado o orçamento da oficina mecânica, o qual atesta necessidade de serviços de funilaria e pintura que totalizam R$ 600,00 (seiscentos reais).
Nas informações prestadas por XXX, Supervisor de SGA. 33 – Secretaria de Infra-Estrutura – Zeladoria, atestou-se que foram efetuadas diligências para a apuração dos fatos, sem resultado conclusivo de quem teria colocado em local indevido a placa causadora do acidente.
Pois bem, o presente caso concreto envolve a análise do tema da responsabilidade extracontratual do Estado, prevista, basilarmente, pelo artigo 37, § 6º, que dispõe:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no s casos de dolo ou culpa”.
O dispositivo transcrito consubstancia a tese da responsabilidade objetiva do Estado, que responde por danos causados a particulares, independentemente da existência de dolo ou culpa na conduta de seu agente causador. Na verdade, a doutrina entende que duas regras estão nele previstas, quais sejam a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário, que enseja o direito de regresso da Administração Pública em caso de existência de dolo ou culpa em sua conduta. Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“No dispositivo constitucional estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário”. (Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 21ª Ed., 2008, p. 613).
Alguns requisitos devem estar presentes para que a responsabilidade do Estado reste configurada. Para tanto, exige-se:
a)que o ato lesivo seja praticado por agente de pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público;
b) que seja causado dano a terceiros, em decorrência da prestação de serviço público;
c) que o dano seja causado por agente público;
d) que o agente, ao causar o dano, aja nesta qualidade.
Além disso, deve-se ressaltar que algumas causas, ainda que presentes os quatro requisitos acima apontados, excluem a responsabilidade do Estado. Com efeito, quando o dano decorrer de culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiros ou força maior, não haverá responsabilidade extracontratual da Administração Pública.
Ainda, para que haja o dever de indenizar, alguns requisitos devem ser preenchidos pelo dano. Este precisa, em primeiro lugar, configurar lesão a um direito da vítima, direito este que deve corresponder a um bem juridicamente protegido. Ademais, o dano precisa ser certo, especial e anormal.
Para Celso Antonio Bandeira de Melo:
“Para ser indenizável cumpre que o dano, ademais de incidente sobre um direito, seja certo, vale dizer, não apenas eventual, possível. Tanto poderá ser atual como futuro, desde que certo, real”. (Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 25ª Ed., 2008, p. 1006).
Mais à frente, define o dano especial:
“Dano especial é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela Sociedade. Corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos, e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas”. (Idem, p. 1007).
Define também o dano anormal:
“Dano anormal é aquele que supera meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social. A vida em Sociedade implica a aceitação de certos riscos de sujeição a moderados gravames econômicos a que todos estão sujeitos, ocasional e transitoriamente, conquanto em escala variável e na dependência de fatores circunstanciais. São pequenos ônus que não configuram dano anormal”. (Idem, p. 1007).
Tendo em vista a exposição da fundamentação jurídica, cumpre analisar se o presente caso concreto subsume-se aos requisitos acima elencados.
Primeiramente, o ato lesivo foi praticado por agente público, funcionário desta Edilidade, ainda que desconhecido até o presente momento. O dano foi causado a terceiro, funcionária comissionada do 30º Gabinete. E o agente, ao causar o dano, agiu nesta qualidade.
No que concerne às causas excludentes da responsabilidade, pelo que se pode compreender da exposição dos fatos, bem como das informações prestadas às folhas 11, parece não ter havido culpa exclusiva da vítima nem de terceiro, tampouco a ocorrência de força maior, caracterizada por uma força irresistível da natureza (Bandeira de Melo, Celso Antônio, Idem, p. 1009). A fim de verificar, conclusivamente, que a culpa foi de agente desta Edilidade, sugiro nova oitiva do Supervisor de SGA. 33, para que haja a expressa comprovação de existência do nexo de causalidade entre a colocação da placa no local indicado e a ocorrência do dano.
Por fim, o dano causado ao veículo da funcionária caracteriza-se como lesão a um bem juridicamente protegido, lesão esta certa, especial e anormal.
Derradeiramente, em respeito aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas, um único orçamento não é suficiente para efeito de apuração do valor a ser indenizado, devendo ser apresentados, pelo menos, mais três, a fim de que seja escolhido aquele que corresponda ao menor valor tendo como parâmetro o valor de mercado, sugerindo à unidade responsável a indicação de mais três oficinas mecânicas a serem procuradas pela requerente a fim de que sejam apresentados os orçamentos respectivos.
No mais, é importante ainda ressaltar que os requisitos preenchidos pelo caso sob análise aludem ao dano material sofrido pelo automóvel, não tendo havido configuração de dano moral. Com efeito, a jurisprudência é pacífica ao entender que meros aborrecimentos do cotidiano não são suficientes para a caracterização de um dano moral. Este, para que seja indenizável, precisa causar uma tristeza profunda naquele que o sofre.
Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se em diversos acórdãos. Citando pronunciamento do Tribunal de Justiça da Paraíba, assim transcreveu no acórdão do Recurso Especial nº 592.776 – PB:
“Com efeito, só se pode reconhecer a existência de danos morais em uma situação que venha a causar sério desequilíbrio na vítima ou venha danificar sua imagem. Na hipótese, a situação vivida pelo promovente/apelante, nada obstante de inegável ilegalidade, não pode ser tomada como grave o suficiente, ficando na conta de mero aborrecimento”.
No mesmo sentido o julgado do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 794.051 – MS, Min. Rel. Sidnei Beneti:
“De fato, a indenização por dano moral decorre de circunstância particular, não se estendendo a todas as situações em que se verifique a ocorrência de algum desconforto ou constrangimento, sob pena de se banalizar o instituto e de desprestigiar o sofrimento suportado por aqueles que vivenciam acontecimentos realmente alarmantes.
A simples comprovação do fato não é a única condição sine qua non para que seja devida a indenização por dano moral, devendo também ser comprovados, salvo hipóteses específicas, a ocorrência de dor ou sofrimento por parte da vítima”.
Diante do exposto, opino pela procedência do requerimento formulado para que, à luz da responsabilidade objetiva do Estado, seja reparado o dano material causado ao veículo da vítima, ressaltando que esta Edilidade terá direito de regresso contra o agente público que o causou, devendo, para tanto, proceder às diligências necessárias à sua apuração. Friso, ainda, a não configuração de dano moral indenizável.
Em seguida, encaminhem-se os autos à deliberação da Secretaria Geral Administrativa – SGA.
É o meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V.Sa.
São Paulo, 07 de maio de 2009.
Camila Maria Escatena
Procuradora Legislativa
OAB nº 250.806