Parecer n° 151/2012

Parecer 151/2012
Processo 997/2011
TID xxxxxxx

Assunto: Dúvida Suscitada –– Execução Contratual – Contrato nº 51/2011-xxxxxxxxxxx.

Sr. Procurador Legislativo Supervisor:

Trata-se de analisar dúvida suscitada pela SGA a fls. 2157 quanto à execução do contrato nº 51/2011, mantido entre esta Edilidade e a empresa xxxxxxxxxxxxxx.

Na dúvida apresentada indaga-se quanto ao recente entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao art. 71, parágrafo 1º da Lei 8.666/93, sobre a não transferência da responsabilidade quanto ao pagamento à Administração dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais das empresas contratadas.

Após, indagou-se sobre o alcance da fiscalização relativa a cumprimento de obrigações trabalhistas em situação da espécie, especialmente no caso de contratação de obra, sugerindo, se for o caso, a consulta ao E. Tribunal de Contas em relação à questão suscitada.
Passando a análise da indagação formulada é importante que seja feita uma análise do art. 71 da lei 8.666/93. O artigo em tela assim dispõe:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

A norma em questão retira a responsabilidade da administração pública pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais nos casos de a contratação seja realizada por meio de licitação, não transferindo tais responsabilidades da contratada para o poder público.
O antigo entendimento do Tribunal Superior do Trabalho era exarado na súmula n º 331 IV era o seguinte:

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)

Ou seja, o C. Tribunal Superior do Trabalho afastava aplicação do referido diploma legal licitatório, para reconhecer a responsabilidade subsidiária do tomador de mão de obra, garantindo ao trabalhador terceirizado, em caso de insolvência da empresa interposta/contratada, receber os valores diretamente daquela, independentemente de ser o tomador da mão de obra ser ente ou entidade pertencente à administração.

Diante disso, perante milhares de decisões que reconheciam a responsabilidade subsidiária da administração, tal matéria foi objeto de Ação Declaratória de Constitucionalidade impetrada pelo Governador do Distrito Federal.

Não obstante, é importante uma análise um pouco mais detida sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC nº 16, julgada em 24.11.2010, que declarou constitucional o artigo da lei 8.666/93 em comento. Assim foi publicado o acórdão da decisão:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.

Com esta decisão o Supremo Tribunal Federal se posicionou, no sentido de que o Tribunal Superior do Trabalho ao analisar casos em que haja terceirização de mão de obra não poderá reconhecer a responsabilidade subsidiária, sem antes ter investigado com maior rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.

É interessante verificar que o Presidente Relator do caso no E. Supremo Tribunal Federal foi o Min. Cézar Peluso que ao comentar o julgamento referente a norma em comento explicou que tal decisão “não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa”. “O STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público”

É importante frisar que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 16 acabou por afastar apenas a responsabilidade subsidiária presumida, entretanto poderão os juízos e os Tribunais Trabalhistas condenarem subsidiariamente o tomador de serviços, desde que fique comprovado na instrução processual com base em outros institutos jurídicos como por exemplo à culpa in vigilando.

No que tange a culpa in eligendo, sendo escolhida a modalidade pertinente e atendidos aos procedimentos licitatórios regulares para contratação da empresa prestadora do serviço, a culpa estaria descaracterizada, uma vez que a Administração realiza a escolha do contratado nos estritos limites impostos pela legislação. É o processo licitatório que determina o vencedor do certame público, ao qual o ente da administração fica adstrito. O agente público não age com dolo ou culpa, eis que é a empresa que vence a licitação e não o agente que a escolhe.
Isto porque, mesmo após o julgamento que afastou a responsabilização objetiva, ainda permanece o entendimento de que não se trata de irresponsabilidade absoluta da administração. Cabe, inclusive colacionar parte dos motivos apresentados pelo Tribunal Superior do Trabalho, quando exarada a nova redação da súmula 331 daquele E. Tribunal Superior, adequada ao entendimento externado na ADC nº 16 julgada pelo Supremo Tribunal Federal :

“Realmente, admitir-se o contrário (a irresponsabilidade subsidiária da Administração Pública em face de seu comportamento omisso ou irregular na fiscalização do contrato), partindo de uma interpretação meramente literal da norma em exame (parágrafo 1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93), em detrimento de uma exegese sistemática, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Publica deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pela moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos à terceiro, que possa estar ao largo de qualquer corresponsabilidade do ato administrativo que pratica”.

Com isso, verifica-se que não se trata de irresponsabilidade absoluta nos casos de contratação de mão de obra terceirizada, e sim apenas que não se trata de responsabilização objetiva como a prevista no art. 37 § 6º da Constituição Federal.

Diante desta breve introdução sobre o tema, passa-se agora a análise de se a presente contratação é de prestação de serviços ou realização de obra.

Verifica-se que o Contrato nº 51/2011 cuida da contratação de uma empresa de construção civil para Reforma e ampliação do pavimento térreo da CMSP, por isto o modelo não se coaduna a responsabilização do tomador de mão de obra terceirizada, e sim a responsabilidade do dono da obra.

A lei nº 8.666/93 conceitua em seu artigo 6º, inciso I, o que ela entende por obra: I – Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta. Sendo que, para lei licitatória é o conceito de obra é restritivo abrangendo apenas o aspecto enunciado no dispositivo.

Deste modo, verifica-se que a reforma e ampliação do pavimento térreo é obra, nos estritos termos da lei 8.666/93, sendo deste modo, caracterizada a CMSP no contrato nº 51/2011 como proprietária da obra.

Assim, é importante verificar que no caso de mão de obra para realização de reforma em prédio, diferentemente da prestação de serviços terceirizados não há previsão legal para realização pela administração de controle direto dos pagamentos fiscais, trabalhistas, previdenciários e comerciais da empresa contratada.

Há que se frisar que, segundo entendimento exarado pelo Tribunal Superior do Trabalho a relação jurídica existente entre o empreiteiro e o dono da obra é de natureza civil, enquanto que a relação que se forma entre o empreiteiro e seus empregados é regida pela legislação trabalhista.

O dono da obra tão somente se compromete ao pagamento do preço estabelecido, objetivando o resultado do trabalho contratado, não possuindo direito ou obrigação de natureza trabalhista quanto aos empregados contratados pelo empreiteiro, salvo se tratar-se de empresa construtora ou incorporadora.

Acrescente-se que a responsabilidade subsidiária, decorrente da culpa in eligendo e in vigilando, diz respeito à terceirização de serviços e não à contratação de obra por empreitada típica, ressalvado a responsabilidade quanto eventual acidente de trabalho, que será visto a mais a frente.

Este é o entendimento pacificado no Tribunal Superior do Trabalho, consoante Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1, que dispõe:

OJ – 191/SBDI-1: CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE. (nova redação) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.

Assim, tanto a administração, quanto o próprio particular só são responsabilizados solidários ou subsidiariamente quando forem donos de obra e concomitantemente tiverem exercerem atividades empresariais no ramo da construção civil ou de incorporação de imóveis.

É o que se extrai da notícia em comento e da jurisprudência consolidada pelos tribunais da Justiça trabalhista.

DONO DA OBRA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – Deve ser reconhecida responsabilidade subsidiária do dono da obra, se a atividade contratada era conectada e acessória a sua atividade fim, dela dependendo a reclamada para consecução de suas atividades” (TRT 5a R. – RO 00589-2003- 222-05-00-3 – (16.605/05) – Rei. Des. Valtércio de Oliveira – J. 04.ago.2005);

DONO DA OBRA – RESPONSABILIDADE,SUBSIDIÁRIA – CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA DE FORMA ROTINEIRA – CARACTERIZAÇÃO – Reconhece-se a responsabilidade subsidiária do dono da obra quando contrata serviços relacionados à sua infraestrutura de forma rotineira, hipótese que se distancia da mera agregação de valor de uso ao bem, mas revela a execução “de serviços indispensáveis- Prevalência do princípio constitucional do valor social do trabalho”(TRT 5a R. – Proc. 10.144/05 – 2a T. – Rei. Juiz Cláudio Brandão – J. 19.maio.2005).

Superada esta questão, contudo, apenas com intuito apenas de auxiliar no que tange a execução do contrato, deverá ser enfrentado outras questões no que tange a correta fiscalização do contrato de obra.

O art. 67 da Lei nº 8.666/93 determina que para que seja realizada a correta execução contratual deve a fiscalização deve ser feita por um representante da Administração especialmente designado. Sendo o objeto do contrato uma obra ou um serviço de engenharia, a conclusão lógica é que o representante da Administração deverá deter conhecimentos especializados na área para poder fiscalizar adequadamente a sua execução.

A Resolução CONFEA nº 218, de 29 de junho de 1975, que discrimina atividades dos profissionais da engenharia, arquitetura e agronomia, reitera o contido na Lei nº 5.194/66, elencando, em seu art. 1º, que a atividade de fiscalização de obra ou serviço técnico como típica de profissional da área.

Assim, de acordo com as normas supramencionadas, somente aos profissionais habilitados, poderão fiscalizar obras ou serviços de engenharia, o que se aplica ao representante a ser designado pela Administração para acompanhar e fiscalizar a execução de uma obra ou serviço de engenharia contratada.

Outrossim, e tal fato é de extrema importância, a administração não pode se descuidar da vigilância quanto a normas de segurança e engenharia do trabalho, previstas nas normas regulamentadoras da matéria na obra que contratou.

Tal fato é relevante, porque o dono da obra deve ter vigilância no que tange a adoção das medidas de segurança no local da realização da reforma, fiscalizando o fornecimento e a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) eficazes. Caso este controle não seja atendido, a responsabilidade não é subsidiária e sim solidária declarada, com base no art. 942 do Código Civil. Aqui, na hipótese de acidente de trabalho, há a inaplicabilidade do entendimento constante da OJ 191 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se verifica na leitura do julgado a seguir: .

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA. ACIDENTE DE TRABALHO. REDE ENERGIZADA. Não se cogita do óbice da OJ 191 da C. SDI, a afastar a responsabilidade subsidiária da reclamada, na medida em que o julgado regional levou em consideração a culpa in vigilando e in eligendo, quanto ao acidente de trabalho e também a responsabilidade pela indenização ao empregado pelo dano sofrido, em acidente de trabalho, porque ocorrido em razão do contrato de prestação de serviços para a ora reclamada. A matéria relacionada à efetiva responsabilidade pelo acidente de trabalho, e a culpa direta/indireta do empregador (prestador dos serviços) e do tomador dos serviços é tema que implica em apreciação desvinculada da relativa ao status de dono da obra, pois a proteção ao empregado não decorre da prestação de serviços, em si, mas principalmente dos elementos que norteiam a responsabilidade por culpa, de quem toma os serviços para atividade de risco e não adota a precaução necessária à proteção do empregado. Recurso de revista não conhecido. (Processo Nº TST-RR-79500-58.2005.5.17.0191, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, julgado dia 17.03.2010)

A responsabilidade verificada por não atendimento as normas de segurança no trabalho decorre de culpa, que caso de acidente de trabalho que vitime um trabalhador que prestasse serviço na obra demandará prova de que a CMSP tenha agido com culpa in vigilando.

Com base nos julgados do Supremo Tribunal Federal e do C. Tribunal Superior do Trabalho, bem como na legislação apresentada, o controle da execução contratual de obras de reforma deve ser estabelecido no sentido de garantir que a empresa contratada para realização da obra atenda e observe quanto da sua realização as regras de segurança do trabalho, devendo tal fiscalização ser feita por um profissional habilitado. Caberá também ao gestor diligenciar no sentido de que a contratada se desincumbirá a contento das obrigações decorrentes das disposições contratuais, inclusive aquelas eventualmente referentes às relações de trabalho envolvidas na execução contratada. Ademais, cumpre ao mesmo gestor orientar, também, a fiscalização contratual no que tange à observância do disposto no Ato nº 1.140/11 (publicado no D.O.C de 26/03/2011), que dispõe sobre os preceitos relativos ao “Trabalho Decente” no âmbito das contratações de obras e serviços na CMSP.

Sem embargo, poderá SGA examinar, diante das informações e elementos dos autos, se entende ser o caso de ser elaborada consulta ao E. TCM sobre o alcance da fiscalização relativa ao cumprimento de obrigações trabalhistas em situação da espécie (contratação de obra), conforme aventado a fls. 2157.

É o Parecer que submeto à criteriosa apreciação de V. Sa.

São Paulo, 30 de maio de 2012.

Carlos Benedito Vieira Micelli
Procurador Legislativo
OAB/SP nº 260.308