Parecer nº 148/2007
Ref.: TID 1429213
Interessado: Associação dos Servidores da Câmara Municipal de São Paulo
Assunto: Requerimento solicitando permissão para consignar prestações referentes a empréstimos pessoais feitos por servidores associados através do código de consignação em folha nº 557, relativo à entidade solicitante.
Senhor Procurador Chefe,
Trata-se de pedido formulado pela Associação dos Servidores da Câmara Municipal de São Paulo dirigido à E.Mesa Diretora, solicitando autorização excepcional para que a entidade possa consignar em folha de pagamento, através do código próprio a ela destinado de nº 557, os valores dos empréstimos pessoais que venham a ser eventualmente realizados pelos servidores seus associados junto a entidades financeiras conveniadas com a entidade.
Assim posta a demanda, cabe-me analisar o pedido à luz da legislação atualmente regente da matéria.
Primeiramente, devo frisar que, à luz dos diplomas legais hoje em vigor no âmbito da Prefeitura Municipal, assim como desta Câmara, a pretensão da Associação não encontra possibilidade de ser atendida.
Com efeito, nos termos do Ato da Mesa Diretora nº 856/2004, de 11 de agosto de 2004, esta Casa, de um lado, adotou as normas editadas pelo Executivo Municipal no que se refere à disciplina das consignações em folha de pagamento previstas no artigo 98 da Lei nº 8.989/79 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de São Paulo), e de outro lado, nos termos do disposto no artigo 3º do Ato da Mesa, proibiu a concessão de novos códigos ou pedidos de consignações relativas a contratos de mútuo, mantendo permitidos somente os relativos a contratos dessa natureza firmados até 09 de dezembro de 2003.
Portanto, pela regra atualmente em vigor nesta Edilidade, o pleito da Associação encontra obstáculo em duas frentes: a primeira consistente na vedação explícita à autorização de novos pedidos de consignações relativas a contratos de mútuo, constante do citado art. 3º do Ato 856/04, e a segunda decorrente das normas sobre a matéria editadas pelo Executivo e hoje expressas no Decreto nº 46.518, de 19 de outubro de 2005.
Com efeito, nos termos desse Decreto regulamentador as consignações em folha de prestações referentes a empréstimos pessoais obtidos junto a instituições financeiras serão objeto de códigos próprios, não podendo ser feitas por intermédio de associações ou sindicatos, tal como se percebe da leitura sistemática dos incisos de seu artigo 4º, in verbis:
“Art. 4º. Consignações facultativas são os descontos efetuados com a prévia e expressa autorização do servidor ou pensionista, relativamente a importâncias destinadas à aquisição de bens, produtos ou serviços por ele assumidos com as entidades referidas no artigo 5º deste decreto, credenciadas na Prefeitura do Município de São Paulo por meio de convênio, nas seguintes hipóteses:
I – mensalidades instituídas em assembléia geral para custeio de entidades de classe e associações, inclusive as sindicais de qualquer grau;
II – colônia de férias a favor de associação ou sindicato;
III – reembolso de despesas efetuadas com a compra de gêneros alimentícios adquiridos em sociedades cooperativas de gêneros alimentícios;
IV – prestações referentes a empréstimo pessoal obtido em bancos públicos ou privados;
V – prestações referentes a empréstimo pessoal obtido em cooperativas de créditos;
VI – prestações e amortizações referentes a financiamento de imóvel residencial obtido em bancos públicos ou privados;
VII – prêmios ou contribuições para planos de seguro de vida e de previdência complementar contratados em entidades instituidoras desses produtos ou, ainda, mediante a intermediação de associações e sindicatos;
VIII – contribuições para planos de saúde e odontológico contratados em entidades instituidoras desses produtos ou, ainda, mediante a intermediação de associações e sindicatos;
IX – prestações decorrentes da aquisição de microcomputadores, impressoras e outros equipamentos de informática adquiridos por meio de linha de crédito especial concedida por sociedades cooperativas de crédito e bancos públicos ou privados.” (meus grifos).
Como se percebe, quando o Decreto quis permitir a intermediação das associações ou sindicatos o fez expressamente, de modo que, pela interpretação sistemática, deduz-se que, uma vez que os incisos que cuidam de consignações de empréstimos (incisos IV, V e VI) não fazem referência à possibilidade de intermediação dos órgãos de classe, está essa proibida, devendo tais consignações ser realizadas diretamente entre as instituições financeiras e a Administração, mediante a concessão de código próprio e específico.
Tem-se, portanto, num primeiro momento, que enquanto vigente o Ato nº 856/2004, a pretensão da associação requerente não encontra amparo legal.
Enfrentado e superado assim o primeiro nível de análise que o requerimento suscita, penso dever adiantar desde já o exame da possibilidade de o pleito ser viabilizado mediante a alteração do Ato da Mesa.
Com relação a esse ponto, a primeira questão que se coloca diz respeito à possibilidade deste Legislativo, através de sua Mesa Diretora, editar novo Ato normatizando a matéria de maneira diversa daquela adotada pelo Executivo no Decreto retro citado e até o presente acolhido pela Mesa como a norma aplicável a esta Casa na matéria.
Penso que esse questionamento se põe na medida em que o citado Decreto tem como propósito regulamentar o artigo 98 da Lei n° 8.989/79, que consubstancia o estatuto do servidor público municipal, portanto estabelece o regime jurídico dos servidores vinculados ao Poder Público municipal.
Ora, como é sabido, compete privativamente ao Prefeito a iniciativa das leis que disponham sobre servidores públicos municipais e seu regime jurídico, consoante expresso no artigo 37, § 2°, inciso III, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Diante dessa exclusiva competência, importa averiguar a possibilidade deste Poder, por meio de sua Mesa Diretora, regulamentar dispositivos do Estatuto com autonomia, mais especificamente o seu artigo 98, não se prendendo necessariamente às normas regulamentares expedidas pelo Chefe do Poder Executivo.
Segundo meu entendimento, a iniciativa privativa do Prefeito é limitada às normas constantes do Estatuto que efetiva e diretamente refiram-se ao regime jurídico dos servidores municipais, vale dizer, o simples fato de uma norma constar do diploma estatutário não acarreta obrigatoriamente a sua regulamentação por parte do titular da competência exclusiva, sob pena de mal trato do princípio constitucional da separação e harmonia entre os Poderes.
No caso presente, segundo percebo, o artigo 98 não contempla, estrito senso, norma de regime jurídico dos funcionários públicos do Município, admitindo, portanto, ampla e livre regulamentação pelo Poder Legislativo.
Acrescento que, embora a redação do artigo estabeleça que “as consignações em folha, para efeito de desconto de vencimentos, serão disciplinadas em decreto” , julgo que a utilização do termo “decreto”, diploma normativo que, sem qualquer qualificativo, designa a forma pela qual o Poder Executivo se vale para regular dispositivos legais, deve ser entendida não em sentido próprio, específico, mas como significando “regulamento”, ou seja, forma apropriada para o disciplinamento de uma matéria, variável e dependente do Poder de onde emane a regulamentação, no caso do Legislativo, o Ato, correspondente, no âmbito deste Poder, do Decreto, enquanto forma legislativa regulamentadora própria do Executivo.
Corrobora, segundo creio, esse juízo, a disposição correlata à do artigo 98 do Estatuto Municipal constante da Lei Federal n° 8.112/90, que estabelece o regime jurídico dos servidores públicos da União, cuja redação está vazada nos seguintes termos:
“Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento.
Parágrafo único. Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento a favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento.” (grifei)
Como se percebe, a lei federal, contrariamente à municipal e conforme melhor técnica, refere-se a regulamento, ou seja, gênero do qual o decreto constitui espécie, tal qual o ato emanado da Mesa do Parlamento, ou ainda outra forma adotada, por exemplo, pelo Poder Judiciário.
Assim sendo, em conformidade com as razões expostas, reconheço a possibilidade deste Legislativo, através de sua Mesa Diretora, editar novo Ato alterando o vigente Ato 856/2004, normatizando a matéria de maneira diversa daquela adotada pelo Executivo no Decreto n° 46.518/2005.
Pois bem, superado mais esse lado das diversas facetas que o requerimento da Associação pleiteante coloca, cabe-me agora enfrentar os aspectos de mérito do pedido, com o intuito de balizar a E.Mesa caso a mesma pretenda dar atenção ao pleito do órgão associativo.
Sob esse aspecto, a primeira colocação a ser feita é com relação aos servidores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho -CLT, pois para esses a legislação aplicável na espécie é a Lei Federal n° 10.820, de 17 de dezembro de 2003, regulamentada pelo Decreto Federal n° 4.840/2003.
Assim, com respeito a essa categoria de servidores, o eventual novo Ato da Mesa deve seguir a orientação já constante do vigente Ato n° 856/04, que em seu artigo 2° estabelece que “as consignações autorizadas por servidores celetistas serão disciplinadas” pela citada lei federal.
Já em relação aos servidores sujeitos ao regime estatutário (efetivos e ocupantes de cargos em comissão), o que mais releva apreciar neste momento, tendo em vista o quanto solicitado pela associação requerente, é a possibilidade de as consignações autorizadas pelos servidores virem a ser processadas sob o código 557 destinado às consignações facultativas feitas em nome da Associação dos Servidores da Câmara Municipal de São Paulo.
Como já dito mais acima, o atual Decreto n° 46.518/05 não admite que os empréstimos contraídos pelos servidores sujeitos ao regime estatutário sejam feitos por intermédio de associações ou sindicatos.
Resta perquirir, portanto, se tal opção adotada pelo decreto regulamentador se deve a uma imposição legal ou a uma razão de conveniência do Executivo municipal.
Após bem refletir sobre o tema, não vislumbrei um óbice de ordem legal para que esse tipo de consignação se realize por meio da intermediação do órgão associativo de classe, tal como se admite no caso de consignações relativas a planos de saúde, seguro de vida ou previdência complementar.
Realmente, segundo minha percepção, o critério restritivo adotado pelo Decreto 46.518/05 se fundou em razões de ordem operacional, bem como em uma preocupação de assegurar controles administrativos que garantam proteção ao servidor, seja no que se refere: i) à verificação da credibilidade da instituição consignatária; ii) à taxa de juros por elas praticadas, que devem ser mais atraentes do que as usualmente praticadas pelo mercado, tendo em vista a contrapartida do desconto em folha do valor da prestação mensal correspondente ao empréstimo contraído, e iii) na garantia de um não comprometimento irresponsável de sua remuneração com esses contratos de mútuo.
Tais razões acima enunciadas me parecem relevantes e penso que devem, de qualquer modo, nortear eventual alteração do Ato 856/04, ao mesmo tempo em que não me parece possível que a Administração possa abrir mão desses controles mediante a delegação dessa função ao órgão associativo.
Quero dizer com a afirmação acima que, ainda que possível futuro ato da Mesa venha a permitir a consignação em folha de empréstimos contratados através da intermediação da Associação, deverá essa entidade, de qualquer modo, observar as normas que porventura venham a ser estabelecidas na normatização editada pela Mesa.
De outro lado, julgo também que o eventual futuro Ato não poderá atribuir à Associação a exclusividade no oferecimento de empréstimos pessoais junto às entidades financeiras por ela credenciadas, com a oferta do benefício do desconto em folha, a uma porque nem todos os servidores desta Casa fazem parte de seu quadro associativo, e a duas porque tal medida feriria o princípio constitucional da garantia de igualdade de todos contratarem com a Administração, uma vez que, cabendo o credenciamento privativamente à Associação, esta poderia estabelecer critérios próprios para a escolha das instituições financeiras interessadas em fornecer empréstimos com a garantia da consignação em folha de pagamento que acabassem por limitar a participação de uma ou outra empresa, ferindo dessa forma o citado princípio da isonomia.
Assim sendo, ainda que a E.Mesa venha a admitir a possibilidade de os empréstimos poderem ser consignados mediante a intermediação da Associação, entendo que essa aceitação não deve excluir o credenciamento das instituições financeiras interessadas diretamente com esta Casa com a concessão de códigos próprios.
Por fim, tendo em vista que o pedido formulado pela Associação implica também em problemas de ordem operacionais, cabíveis principalmente, senão exclusivamente, à Seção de Folha de Pagamentos e Benefícios, sugiro que, em se manifestando a Mesa Diretora no sentido da determinação de modificação do Ato 856/04 com vistas ao atendimento do pleito da Associação, seja o presente expediente submetido à análise e manifestação daquela Unidade vinculada a SGA.2, para suas ponderações com respeito às questões de ordem operacional e procedimentos necessários que devem constar do futuro Ato.
Essa a minha manifestação, Senhor Procurador Chefe, a qual, com as considerações, ressalvas e sugestões acima expressas, submeto ao superior crivo de Vossa Senhoria.
São Paulo, 07 de maio de 2007.
LUIZ EDUARDO DE SIQUEIRA S.THIAGO
Procurador Legislativo Supervisor
OAB/SP 109.429