Parecer Procuradoria nº 146/10
TID 6027700
Ref.: Ofício nº 1694-A/2010 -bc Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo –
Processo nº 994.09.229499-1 (antigo 186.909-0/7 – origem 13478/2002)
Objeto: Incidente de Inconstitucionalidade suscitado pela 15ª Câmara de Direito Público –
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,
Cuida-se do ofício em epígrafe enviado a esta Casa Legislativa encaminhando cópia do acórdão prolatado nos autos do Incidente de Inconstitucionalidade suscitado pela 15ª Câmara de Direito Público, como questão de ordem ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em ação declaratória de inexistência de relação tributária movida por contribuinte em face do Município de São Paulo.
A 15ª Câmara sustenta a inconstitucionalidade da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB, instituída pela Lei do Município de São Paulo nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, por entender que infringe ao disposto no § 2º, do art. 145, da Constituição Federal ao adotar base de cálculo própria de imposto.
Nesse passo, ressalte-se, a fim de evitar eventuais equívocos de interpretação, que a taxa analisada no v. Acórdão refere-se a uma das que foram instituídas pela Lei Municipal nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo; cria e estrutura órgão regulador; autoriza o Poder Público a delegar a execução dos serviços públicos mediante concessão ou permissão; institui a Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares – TRSD, a Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde – TRSS e a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB; cria o Fundo Municipal de Limpeza Urbana – FMLU, e dá outras providências.
A título de esclarecimento, a taxa de fiscalização em comento (FISLURB) é tratada nos artigos 234 a 241, do mencionado diploma legal e foi regulamentada pelo Decreto Municipal nº 45.885, de 09 de maio de 2005.
Ao analisar a questão, o V. Acórdão assinala que a autora da ação sustenta a inconstitucionalidade dessa taxa por inexistir razoabilidade na estipulação do faturamento de cada empresa como parâmetro para o cálculo da referida taxa, pois os contribuintes podem prestar serviços de natureza diversa e fora do Município de São Paulo não representando o faturamento maior ou menor a quantidade de serviços efetivamente fiscalizados.
Outrossim, o V. Acórdão registra o entendimento da D. Procuradoria Geral de Justiça da inconstitucionalidade da lei “porque institui taxa cujo fato gerador é serviço público geral e indivisível” e sua base de cálculo é própria de imposto, entendimento do qual v. Aresto diverge porque, no presente caso, “a taxa não é de limpeza cobrada por prestações de serviços genéricos de limpeza pública, mas de fiscalização de serviços de limpeza urbana prestados por empresas encarregadas desse serviço, em decorrência de concessão, permissão, autorização ou empreitada”, circunstância que afasta aquela fundamentação.
No tocante à alegada inconstitucionalidade sustentada pela C. 15ª Câmara do Tribunal de Justiça, o Órgão Especial entende não ser a mesma aceitável, trazendo à colação precedentes do Supremo Tribunal Federal : no RE 576.321-8/SP onde o i. Ministro relator Ricardo Lewandowski ponderou que “o que a Constituição reclama é a ausência de completa identidade com a base de cálculo própria dos impostos e que, em seu cálculo, se verifique uma equivalência razoável entre o valor pago pelo contribuinte e o custo individual do serviço que lhe é prestado.”; na ADI 1948-1-RS, como relator o i. Ministro Gilmar Mendes, que cita outros ilustres Ministros em acórdãos proferidos pela Corte Suprema no sentido de que o faturamento, neste caso, não é base de cálculo, mas somente critério para a incidência da taxa, fazendo variar o quantum do tributo segundo as faixas de faturamento da empresa.
Dessa forma, conclui o V. Acórdão em análise:
“Em decorrência desses entendimentos, conclui-se que a base de cálculo da taxa pode levar em conta um dos elementos que formam a base de cálculo do imposto, que a conta para sua estipulação não tem que corresponder ao exato custo do serviço prestado ou dos atos de poder de polícia exercidos (hipótese dos autos) e que, utilizado o faturamento para estimativa da faixa de cobrança da taxa, não se pode afirmar que a última incida sobre o primeiro, constituindo ele apenas critério para o cálculo do valor a ser pago.”
Ademais, é destacado outro argumento relevante da contribuinte, autora da ação declaratória, de que “não há razoabilidade na estipulação do valor da taxa conforme o faturamento da empresa, porque esta pode realizar trabalhos em outros municípios e prestar outros serviços de limpeza que não sejam fiscalizados pelo órgão tributante”, restando, então, estabelecido:
“…No caso, levando-se em conta faturamento dos contribuintes relativo a serviços prestados em outros municípios ou de outra natureza que não os de limpeza urbana, o critério adotado para cálculo da taxa não se apresenta razoável, porque evidente para qualquer pessoa se irrelevante para mensuração do custo da fiscalização faturamento cuja origem não seja serviço de limpeza urbana prestado na cidade de São Paulo. Para que haja compatibilidade com o princípio da razoabilidade constitucional, é necessário que se confira ao Anexo V, integrante da Lei Municipal de São Paulo de nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, interpretação conforme a Constituição Federal, entendendo-se que o faturamento nele referido como critério para apuração da taxa devida seja obtido em serviços de limpeza urbana prestados na cidade de São Paulo. Com esse entendimento restrito, a norma fica compatível com a Constituição Federal, pois há compatibilidade pelo menos aproximada entre os valores exigidos e o custo da fiscalização, presumindo-se que empresa de maior atividade exija mais dos fiscais do que as outras e que o faturamento específico reflete o grau de atividade da prestadora de serviço.” (grifos nossos)
– Da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB
Faz-se oportuno salientar sobre quais serviços incide a taxa em análise, quem são seus contribuintes e a que se refere o Anexo V integrante da citada Lei nº 13.478/02.
Em resposta, dispõem os artigos 234, 236 e 237 da Lei 13.478/02:
“Art. 234 Fica instituída a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB, decorrente do exercício do poder de polícia e da fiscalização sobre a prestação dos serviços de limpeza urbana de qualquer natureza e especialmente:
I – os serviços de limpeza urbana divisíveis e complementares, prestados em regime público, mediante concessão ou permissão;
II – os serviços de limpeza urbana indivisíveis e complementares, prestados em regime de empreitada;
III – os serviços de limpeza urbana prestados em regime privado.
…..
Art. 236 São contribuintes da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB as pessoas jurídicas dos concessionários, permissionários, autorizatários e credenciados de serviços de limpeza urbana.
Art. 237 A Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB deverá ser paga, anualmente, até o dia 31 de março, e seus valores serão os estabelecidos no Anexo V desta lei.
§1º Caberá ao contribuinte proceder ao seu enquadramento em uma das faixas previstas no referido Anexo V e efetuar o pagamento do valor correspondente, na forma prevista pela regulamentação.” (grifamos)
Quando da regulamentação, por meio do Decreto nº 45.885, de 09 de maio de 2005, dispôs seu art. 4º:
“Art. 4º A aferição individual da quantidade e espécie de atividades de fiscalização que demandarem os respectivos serviços será procedida com base no faturamento anual do exercício anterior, por declaração do próprio contribuinte.
Parágrafo único. A Autoridade Municipal de Limpeza Urbana – AMLURB convocará os contribuintes da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB a procederem seu cadastramento/enquadramento em uma das faixas previstas no Anexo V da Lei nº 13.478, de 2002, mediante formulário próprio, definido por portaria a ser expedida pela autarquia.” (grifamos)
Ante todo o exposto, entendeu por bem o E. Órgão Especial julgar procedente a argüição de inconstitucionalidade, para conferir à Lei Municipal nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, em análise, “..a interpretação conforme a Constituição, segundo a qual o critério de estipulação do valor da taxa é o faturamento obtido pelo contribuinte na atividade de limpeza urbana desenvolvida na cidade de São Paulo, e não o faturamento total dele, devolvendo-se o processo à Colenda Câmara para que prossiga o julgamento.”
– Do Incidente de Inconstitucionalidade
A declaração de inconstitucionalidade, proferida de forma incidental (“incidenter tantum”) em face de caso concreto, afigura-se controle difuso da constitucionalidade, também chamado de controle pela via de exceção ou defesa, exercido por qualquer juízo ou tribunal, observadas as regras de competência processual, como questão prejudicial à apreciação do mérito na ação. Como regra geral, seus efeitos operam somente para as partes que litigam em juízo (“inter partes”).
No Regimento Interno do Tribunal de Justiça, o Incidente de Inconstitucionalidade de Lei está previsto nos artigos 190 e 191:
“Art. 190. O incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público será suscitado pelo órgão julgado fracionário do Tribunal, de ofício ou a requerimento do interessado, para apreciação do Órgão Especial, nos termos da Constituição Federal e da lei processual civil.
Parágrafo único. Nos incidentes de inconstitucionalidade não caberão embargos infringentes.
Art. 191. Proclamada a constitucionalidade do texto legal ou ato normativo, ou não alcançada a maioria prevista na Constituição Federal (art. 97), a argüição será julgada improcedente.
§ 1º Publicada a conclusão do acórdão, os autos serão devolvidos ao órgão judicante que suscitou o incidente, para prosseguir no julgamento, de acordo com o pronunciamento do Órgão Especial.
§ 2º Somente se houver motivo relevante, poderá ser renovado o incidente.”
No tocante aos efeitos dessa decisão que, como regra, restringem-se às partes litigantes, vale ressaltar ser possível sua extensão a terceiros (“erga omnes”), por meio da interposição de recurso extraordinário ao STF que por sua vez, realizará o controle da constitucionalidade, pela via difusa e, declarada inconstitucional a lei, na forma do art. 178 do RISTF, será comunicado o Senado Federal, para os efeitos do art. 52, X, da CF/88, que estabelece ser de competência privativa do Senado Federal, mediante resolução, suspender a execução no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.
– Da interpretação conforme a Constituição
A interpretação conforme a Constituição, proferida no bojo do incidente de inconstitucionalidade, é mecanismo de controle de constitucionalidade difuso em que o juízo ou tribunal, ao invés de decretar a inconstitucionalidade do texto legal em análise, mediante devida fundamentação, elege alternativa interpretativa que se coaduna com a Constituição, de modo que, sem acarretar modificações no referido texto legal, é declarado o sentido que está em consonância com a Constituição e, conseqüentemente, o que está em desconformidade com ela.
Conforme consulta realizada junto ao Tribunal de Justiça, não houve interposição de qualquer recurso sobre o V. Acórdão que julgou procedente a argüição, para conferir ao Anexo V da Lei do Município de São Paulo nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, parte integrante dessa, a interpretação conforme a Constituição, segundo a qual o critério de estipulação do valor da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza – FISLURB- é o faturamento obtido pelo contribuinte na atividade de limpeza urbana desenvolvida na cidade de São Paulo, e não no faturamento total dele.
No caso em apreço, conforme consulta obtida, em face da inexistência da interposição de recurso, os efeitos da mencionada decisão “incidenter tantum” restringiram-se às partes daquela ação, continuando em vigor o Anexo V da Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002.
Ante o exposto, à vista da comunicação formal do V. Acórdão feita pelo E. Tribunal de Justiça a esta Casa de Leis, sugiro seja dada ciência dos termos do V. Acórdão à Secretaria Geral Parlamentar – SGP; à Secretaria das Comissões –SGP1; à Comissão de Constituição e Justiça e Legislação Participativa; à Comissão de Finanças e Orçamento; à Secretaria de Documentação – SGP.3 e aos Setores de Elaboração Legislativa, de Pesquisa e Assessoria de Análise Prévia das Proposituras e do Processo Legislativo, desta Procuradoria, a fim de subsidiar posteriores pareceres.
São Paulo,
MARIA CECÍLIA MANGINI DE OLIVEIRA
Procuradora Legislativa – RF 11.119
OAB/SP 73.947