Parecer n° 129/2004

AT.2 – Parecer nº 129/2004.

Ref.: Processo nº 969/2003
Interessado: Subdivisão de Controle e Liquidação da Despesa – Cont. 7
Assunto: Contrato nº 17/2003 – Locação de automóveis – Lapenna Car Ltda. – Descumprimento de cláusulas contratuais – Justificativas apresentadas pela empresa não são aptas a elidir as respectivas penalidades.

Sr. Assessor Chefe,

Retorna o presente processo para análise e manifestação sobre o contrato nº 17/2003, celebrado com a empresa Lapenna Car Ltda., cujo objeto é a locação de veículos para utilização dos Nobres Vereadores. Sobreleva registrar que esta Advocacia já se pronunciou sobre o assunto em outras oportunidades. No entanto, como nesta ocasião questiona-se o aparente conflito entre cláusulas contratuais do respectivo instrumento, pondo em xeque as obrigações assumidas pela empresa locadora de automóveis e, conseqüentemente, a eventual configuração de seu inadimplemento, passamos a uma análise acurada dos autos e nossas conclusões encontram-se consubstanciadas neste parecer.

I – RELATÓRIO

Constatamos que:

1) à fl. 01, requerimento relativo à autuação e protocolização deste processo, o qual é destinado a registrar os pagamentos devidos à empresa em decorrência do contrato em questão;

2) às fls. 02/07, cópia do instrumento contratual nº 17/2003, com vigência de 12 (doze) meses, a partir de 18/07/2003, data em que foi subscrito pelas partes, sendo o valor total correspondente a R$ 963.600,00 (novecentos e sessenta e três mil e seiscentos reais), o valor mensal equivalente a R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e o valor unitário por veículo de R$ 1.460,00 (um mil, quatrocentos e sessenta reais), inclusas todas despesas necessárias à execução do objeto;

3) à fl. 08 nota de empenho nº 688, relativa ao período de 18/07/03 a 31/12/03 e à fl. 09 publicação do extrato do contrato no DOM de 1º/08/03;

4) às fls. 11/25 solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0314, referente ao período de 08/08/03 a 31/08/03, no valor de R$ 61.563,15 (sessenta e um mil, quinhentos e sessenta e três reais e quinze centavos) e respectivos documentos;

5) em 10/09/03, juntada dos documentos referentes à comprovação de retirada e identificação dos veículos (fls. 27 a 82) e manifestação do gestor do contrato informando que “a Empresa tem procurado cumprir com as obrigações contratuais e que alguns contratempos ocorreram em função de uma fase de adaptação, tendo sido sanados a contento” (fls. 83);

6) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0314, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 85/87);

7) solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0364 referente ao período de 1º/09/03 a 30/09/03, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos (fls. 91/95);

8) em 10/10/03, manifestação do gestor do contrato afirmando que “apesar de ainda ter ocorrido alguns contratempos, a Empresa esforçou-se em cumprir com as obrigações contratuais” (fls. 98);

9) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0364, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 102/104);

10) solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0417, relativa ao período de 1º/10/03 a 31/10/03, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos (fls. 107/115);

11) em 06/11/03, manifestação do gestor do contrato sobre o eventual cumprimento do avençado “informamos a V.Sa. que a empresa Lapenna Car S/C Ltda. cumpriu as cláusulas contratuais no período de 1º a 31 de outubro de 2003” (fls. 118);

12) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0417, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 119/121);

13) solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0479, referente ao período de 01/11/03 a 30/11/03, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos e respectivos documentos (fls. 124/131);

14) Memo 390/03 do Gabinete do Vereador Gilberto Natalini, noticiando problemas ocorridos com o veículo colocado a disposição de S.Sa., que teria sido substituído por um Celta 1.0, “desconfortável e sem ar condicionado, portanto, de qualidade inferior ao tipo de veículo previsto no contrato” (fls. 134);
15) em 09/12/03, manifestação do gestor do contrato informando o descumprimento do item 3.1.7 da cláusula terceira do instrumento, bem como a constatação de outras irregularidades (fls. 135);

16) manifestação da ACJ, através do parecer nº 353/2003, acompanhado de minuta de ofício, sugerindo encaminhamento de ofício à empresa para que apresentasse defesa sobre eventual descumprimento contratual (fls. 137/138);

17) ofício nº 2565/2003, encaminhado à empresa, nos moldes sugeridos pela ACJ no parecer mencionado no item anterior (fls. 141);

18) em 22/12/03, foram apresentadas as razões de defesa da empresa e os documentos correspondentes, noticiando, em síntese, que “já se encontra em andamento o processo de aquisição de 05 (cinco) veículos (similares ao objeto do contrato – CÓPIA DO PEDIDO FEITO NA FÁBRICA EM ANEXO), para utilizarmos como reserva em casos de necessidades. Essa quantidade corresponde a 10% (dez por cento) do total da frota em uso. Caso seja necessário a substituição (sic)no mesmo período de mais de 05 (cinco) veículos ao mesmo tempo, gostaríamos da compreensão e autorização de V.Sas. para substituição por veículos 1.0 – 4 portas, até que seja liberado um dos veículos Siena 1.8 utilizados como reserva. Ressaltamos que não conseguiremos dispor destes veículos ainda este mês, em vista da paralisação da linha de produção da fábrica, que será de 19/12/03 a 05/01/04” (fls. 143/145);

19) manifestação da ACJ, através do parecer nº 355/2003, e outros documentos pertinentes à matéria, sugerindo a aplicação das multas respectivas, tendo em conta as explicações apresentadas pela contratada (fls. 147/190);

20) novas razões de defesa da empresa e documentos correspondentes, alegando, em resumo, que: a) no item 3.1.7 da cláusula terceira “em nenhum momento é especificado que esta substituição teria que ser obrigatoriamente por veículos do mesmo padrão”; b) “são 05 (cinco) veículos em nossas oficinas por motivos de acidente/sinistros, e são todos de grandes proporções. Fora isso já ultrapassam o nr. de 22 (vinte e duas) substituições realizadas somente em Dezembro de 2003”; c) “o cuidado na direção do veículo é praticamente zero” (fls. 192/195);

21) cópia da manifestação da ACJ, através do parecer nº 002/2004, exarado em 07/01/04, que concluiu por sugerir à E. Mesa que, a despeito do inadimplemento, não fosse retido o pagamento devido à empresa, sob pena de configurar-se enriquecimento ilícito da Edilidade (fls. 201/202);

22) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0479, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 203/205);

23) em 09/02/04, a SGA elaborou breve relato e manifestação sobre a questão ora em foco e encaminhou os autos para consideração da E. Mesa (fls. 207/208);

24) em 16/02/04, a Presidência devolveu o processo à SGA; em 17/02/04, SGA reenviou o processo à Presidência, informando que a matéria deveria ser apreciada pela E. Mesa; em 18/02/04, o processo foi remetido, a pedido, à SGA-2; em 19/02/04, o processo foi devolvido à Presidência; em 18/03/04, o processo foi encaminhado à ACJ; em 07/04/04, os autos foram, a pedido, à SGA-2, para abertura do segundo volume (fls. 207/208, 208 e verso, 209, 209-verso e 210);

25) em 05/01/04, solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0536, referente ao período de 01/12/03 a 31/12/03, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos (fls. 211/218);

26) em 06/01/04, manifestação do gestor do contrato informando que “conforme já foi notificado no mês anterior, a empresa Lapenna Car Ltda. tem deixado de cumprir a cláusula 3.1.7 do contrato de locação. Os veículos oferecidos pela referida empresa, em substituição aos que se encontram impossibilitados de circular, são de qualidade inferior, o que ocasiona descontentamento por parte dos Srs. Vereadores” (fls. 219-verso);

27) cópia do termo de contrato nº 17/2003 (fls. 220/225);

28) manifestação da ACJ, no original, através do parecer nº 002/2004, que concluiu por sugerir à E. Mesa que, a despeito do inadimplemento, não fosse retido o pagamento devido à empresa, sob pena de configurar-se enriquecimento ilícito da Edilidade (fls. 228/229);

29) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0536, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 234/236);

30) solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0582, relativa ao período de 1º/01/04 a 31/01/04, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos (fls. 241/249);

31) em 05/02/04, manifestação do gestor do contrato sobre o eventual cumprimento do avençado, relatando o seguinte: “Foram colocados à disposição desta Edilidade os 55 (cinqüenta e cinco) automóveis constantes da relação enviada pela contratada. Entretanto, cabe-me comunicar que, por ocasião da ocorrências de sinistros, avarias mecânicas diversas ou mesmo revisão preventiva recomendada pela montadora FIAT, os veículos locados foram substituídos por outros de tipos diferentes, como, por exemplo, Chevrolet Celta 1.0 e Fiat Siena 1.0. Outro ponto a ser destacado é que alguns dos citados carros reservas fornecidos não traziam placas deste município, mas sim de Curitiba-PR, como, por exemplo, o veículo de placas ALE 7921 (fls. 252);

32) cópia do contrato nº 17/2003 (fls. 253/258);

33) cópia da manifestação da ACJ, através do parecer nº 002/2004, que concluiu por sugerir à E. Mesa que, a despeito do inadimplemento, não fosse retido o pagamento devido à empresa, sob pena de configurar-se enriquecimento ilícito da Edilidade (fls. 260/261);

34) comprovante do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0582, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 266/269);

35) solicitação de pagamento da nota fiscal/fatura nº 0649, referente ao período de 1º/02/04 a 29/02/04, no valor de R$ 80.300,00 (oitenta mil e trezentos reais) e respectivos documentos (fls. 272/278);

36) em 09/03/04, manifestação do gestor do contrato sobre o eventual cumprimento do avençado, informando que perduram as irregularidades constatadas na execução do ajuste quanto à substituição dos veículos por outros de tipos diferentes, bem como alguns dos carros reservas fornecidos não traziam placas deste município (fls. 283);

37) cópias do contrato nº 17/2003 e da manifestação da ACJ, através do parecer nº 02/04 (fls. 285/292);

38) comprovantes do pagamento da locação dos veículos consubstanciada na nota fiscal/fatura nº 0649, por meio de depósito na conta corrente da empresa (fls. 294/298);

39) em 15/04/04, o processo foi encaminhado, a pedido, à ACJ, e posteriormente, devolvido, a pedido, à SGA (fls. 301);

31) em 15/04/04, o processo foi encaminhado ao gestor do contrato, para que se manifestasse sobre o eventual cumprimento do avençado, e, lamentavelmente, foi noticiado que ainda permanecem as mesmas irregularidades, quais sejam, continua sendo feita a substituição dos carros que por razões diversas, estejam impedidos de circular, porém, os automóveis substitutos apresentam características diferentes daquelas exigidas no contrato, acrescentando que “essa substituição não configura quebra de cláusula contratual, posto que (sic)o item 3.1.7 do atual contrato determina somente os veículos deverão ser substituídos, mas não que os veículos reservas devam ser idênticos aos substituídos” (fls. 304).

Observamos que o segundo volume deste processo nº 969/03, de acordo com o respectivo Termo de Abertura, foi inaugurado em 12/04/2004, a partir da folha nº 211, entretanto, a mencionada fl. 211 até a folha 300 referem-se a fatos ocorridos anteriormente (05/01/04 a 22/03/04).

Enfim, estes são os atos processuais de maior relevância que encontramos nos autos.

II – PRELIMINARMENTE

Há duas questões preliminares que merecem registro:

a) Em se tratando de locação de veículos (bens móveis), as normas constantes do Código Civil aplicam-se ao contrato nº 17/2003, na medida em que sejam compatíveis com o regime de direito público.

Com efeito, a Lei Federal de Licitações estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes à locação realizada pela Administração Pública (art. 1º) e caso o poder público figure como locatário, ao contrato de locação, cujo conteúdo é regido predominantemente pelo direito privado, aplica-se o disposto nos artigos 55 e 58 a 61, bem como as demais normas gerais desta mesma lei (art. 62, § 3º, I).

Essa ambigüidade da lei recebeu críticas da doutrina pátria, pois, os atos da Administração não podem divorciar-se do interesse público.

O mestre Hely Lopes Meirelles preleciona que: “não há como negar que mesmo nos contratos prepoderantemente de Direito Privado firmados pela Administração muitas vezes ocorre a derrogação das regras de Direito Comum pelos preceitos especiais de Direito Público. Vale dizer: mesmo que no ajuste prepondere o Direito Privado, a Administração pode valer-se de condições especiais para impor sua supremacia em benefício do interesse público”.

Marçal Justen Filho enveredou pelo mesmo caminho: “A mera participação da Administração Pública como parte em um contrato acarreta alteração do regime jurídico aplicável. O regime de direito público passa a incidir, mesmo no silêncio do instrumento escrito. O conflito entre regras de direito privado e de direito público resolve-se em favor destas últimas. Aplicam-se os princípios de direito privado na medida em que sejam compatíveis com o regime de direito público. Isso pode, inclusive, provocar a desnaturação do contrato de direito privado…Mas a simples participação de entidade administrativa em uma relação contratual caracteristicamente privada não significa a incidência integral do regime de Direito Público. As competências mais características, indicadas no art. 58, não podem ser aplicadas…Talvez a melhor solução seja reconhecer que a satisfação de determinadas necessidades estatais pressupõe a utilização de mecanismos próprios e inerentes ao regime privado, subordinados necessariamente a mecanismos de mercado.”

b) Conforme o processo nº 239/2003, que cuidou do respectivo processo licitatório (Pregão nº 04/2003), ante a solicitação de esclarecimentos apresentada pela empresa Autman Gestão de Frota sobre a exigência constante do edital no item 1.1, letra “k”, supostamente contrária ao inciso I, do § 1º, do art. 3º da Lei nº 8.666/93, a ilustre Pregoeira, Sra. Marlene da Fonseca Fabri, esclareceu à mencionada solicitante, dentre outros pontos, que em referido item “foi omitida a palavra ‘preferencialmente’ no Município de São Paulo. Em face do disposto no art. 120 do Código de Trânsito Brasileiro, essa omissão será objeto de retificação” e, nesse passo, a redação do edital foi alterada.

Em que pese a Colenda Corte de Contas do Município ter suscitado a irregularidade do procedimento licitatório em apreço , haja vista que após esta “alteração substancial na forma de apresentação da proposta” não foi reaberto o prazo de publicidade do edital, como preceitua o artigo 21, § 4º, da Lei nº 8.666/93, para que “empresas com emplacamento de seus veículos em outras cidades também pudessem participar do certame licitatório”, a redação da letra “k”, do item 1.1 do ato convocatório passou a vigorar com a palavra “preferencialmente”.

Como edital e contrato são verso e reverso da mesma moeda, ainda que não conste expressamente do instrumento contratual, os veículos colocados à disposição da Edilidade podem apresentar placas de outros municípios, vez que a expressão “preferencialmente no Município de São Paulo”, que passou a figurar no edital, autoriza esta alternativa.
Como corolário, a empresa Lapenna Car Ltda. não incorrerá em nenhuma penalidade em razão de dispor para a Edilidade, por conta do contrato de locação, veículos com placas de outros municípios.

III – MÉRITO

III-1. DA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO Nº 17/2003

O ponto crucial a ser enfrentado diz respeito à interpretação dos contratos administrativos.

Diogenes Gasparini leciona que: “Muitas vezes as cláusulas do contrato administrativo não são claras, em razão de suas expressões ou termos não serem precisos. Por esse motivo, surge, de um lado, a dúvida quanto ao seu alcance e, de outro, a necessidade de sua interpretação, para precisar-lhe o conteúdo e, por conseguinte, os direitos e obrigações das partes. Assim, interpretar o contrato administrativo é buscar o verdadeiro sentido de suas cláusulas.”

Cumpri-nos, então, avaliar se o contrato nº 17/2003 contém expressões ou termos imprecisos que inviabilizem a exata compreensão das obrigações das partes e, neste caso, devemos interpretá-lo para encontrar o real significado de suas disposições contratuais.

A cláusula primeira item 1.2 do contrato nº 17/2003 preceitua que a frota é padronizada e descreve as características que todos os veículos devem ostentar. O item 1.3 da mesma cláusula prescreve que integra o objeto do contrato a substituição dos veículos. A cláusula terceira determina à contratada que mantenha a frota sempre em perfeitas condições de uso (item 3.1.4) e proceda à substituição dos veículos que, por qualquer motivo fiquem impossibilitados de circular, com exceção daqueles que estejam, por força de lei, sujeitos a rodízio de automóveis (item 3.1.7).

De acordo com o setor responsável pelo acompanhamento do ajuste em questão, algumas irregularidades ocorreram no curso do contrato, sendo que umas foram sanadas e outras continuam a ocorrer, pois a empresa Lapenna Car Ltda. tem reiteradamente descumprido o mencionado item 3.1.7..

A contratada alega em sua defesa que “em nenhum momento é especificado que esta substituição teria que ser obrigatoriamente por veículos do mesmo padrão”.

O Sr. Irineu Bosqueiro Filho, Supervisor de SGA-31, gestor do contrato, concorda com este argumento e sugere a modificação do instrumento contratual, para que não pairem mais dúvidas que o veículo substituto deva ser idêntico ao substituído, ou seja, tenha as mesmas características elencadas no item 1.2 da cláusula primeira do contrato.

Contudo, após uma análise sistemática do instrumento contratual, não nos parece que este entendimento seja o mais acertado. Com efeito, as relações entre a empresa Lapenna Car Ltda. e a Edilidade encontram-se fincadas nas Leis de Licitações Federal nº 8.666/93 e Municipal nº 13.278/2002, nos artigos 1.188 a 1.199 do Código Civil, no edital que estabeleceu as normas do pregão nº 04/2003, assim como no respectivo contrato nº 17/2003.

Dispõe o contrato nº 17/2003 que:

“1.1. O presente CONTRATO tem por objeto a locação de veículos conforme discriminação abaixo.

1.2. Todos os veículos locados deverão ser padronizados (da mesma marca, modelo, combustível e cor), na seguinte conformidade:

a) 55 (cinqüenta e cinco) veículos tipo sedã
b) Marca/modelo: FIAT/SIENA
c) Zero quilômetro de fabricação do ano da disponibilização
d) Motor: 1.8
e) Combustível: gasolina
f) Cor: preta
g) 4 portas
h) Direção hidráulica
i) Ar condicionado
j) Trio elétrico
k) Com rádio
l) Emplacamento preferencialmente no Município de São Paulo”

“1.3. Estão incluídos no objeto do presente contrato
(…omissis…)
d) Substituição do Veículo”.

“3.1. Compete à CONTRATADA:
(…omissis…)
3.1.4. manter a frota sempre em perfeitas condições de uso;
(…omissis…)
3.1.7. substituir imediatamente os veículos que, por algum motivo, fiquem impossibilitados de circular, com exceção do previsto no subitem 13.12 do Edital .”

Consoante o “Novo Aurélio, O Dicionário da Língua Portuguesa” , o vocábulo “todo” utilizado no plural no item 1.2 da cláusula primeira, quer dizer “que não deixa nada de fora; a que não falta parte alguma; qualquer, cada; conjunto, massa, generalidade” e a palavra “padronização” significa “ato ou efeito de padronizar”; “redução dos objetos do mesmo gênero a um só tipo, unificado e simplificado, segundo um padrão preestabelecido”.

A interpretação gramatical das palavras utilizadas no item 1.2 do contrato nº 17/2003 afastam a suposta dúvida quanto ao alcance das obrigações da contratada, vale dizer, cada um dos veículos locados devem apresentar as características relacionadas no instrumento contratual, uma vez que aquele foi o padrão estabelecido pela Edilidade.

Interpretando-se as cláusulas contratuais de forma harmônica, e não isoladamente, isto é, compatibilizando-se o enunciado do item 1.2 da cláusula primeira com o item 3.1.7 da cláusula terceira, a despeito de não ter constado expressamente que a substituição dos veículos impossibilitados de circular deveria se dar por outros automóveis do mesmo padrão, parece-nos que compete à contratada:

a) manter a frota padronizada, ou seja, todos os veículos devem ser da mesma marca e modelo – FIAT/SIENA, todos devem ser movidos pelo mesmo tipo de combustível, todos devem ser da mesma cor – preta, todos devem ser do mesmo tipo sedã, todos devem ser 0Km (zero quilômetro), todos devem ter potência 1.8 no motor, todos devem ter 4 (quatro) portas, todos devem ter direção hidráulica, todos devem ter ar condicionado, todos devem ter trio elétrico, todos devem ter rádio e emplacamento, preferencialmente no Município de São Paulo;

b) manter todos sempre em perfeitas condições de uso; e

c) substituir imediatamente todos os veículos que, por algum motivo, fiquem impossibilitados de circular, por outros veículos que apresentem todas essas características (mesma marca e modelo – FIAT/SIENA, mesmo tipo de combustível, mesma cor – preta, mesmo tipo sedã, 0Km (zero quilômetro), potência 1.8 no motor, 4 (quatro) portas, direção hidráulica, ar condicionado, trio elétrico, rádio e emplacamento, preferencialmente no Município de São Paulo, sempre em perfeitas condições de uso).

Esta, parece-nos, é a leitura correta das obrigações da contratada quanto à substituição dos automóveis.

Por óbvio que não se transcreveu novamente no item 3.1.7 da cláusula terceira todas as particularidades dos automóveis apenas para evitar a repetição, a nosso ver, desnecessária, daquilo que pode ser compreendido por meio de uma “interpretação inteligente” do contrato. E é por esta mesma razão que se utilizou as palavras “todos” e “padronizados” no item 1.2 da cláusula primeira. Ressalte-se que na interpretação dos contratos, assim como ocorre com as leis, deve-se levar em conta que não existem palavras inúteis.

A Quarta Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em votação unânime, assentou que “sendo possível, através da interpretação sistemática, constatar confronto entre cláusulas contratuais, deve prevalecer aquela que elimina as tensões existentes entre as cláusulas conflitantes.”

A nosso ver, um exame sistemático do contrato nº 17/2003 revela que, ao contrário do caso analisado pelo TJ-DF, não há confronto entre as mencionadas disposições contratuais, que em plena sintonia ecoam no mesmo sentido: todos os veículos locados devem ostentar todas as características descritas no item 1.2 da cláusula primeira do instrumento contratual.

Contudo, caso alguma dúvida ainda tenha persistido, a mais abalizada doutrina recomenda que interpretação do contrato ultrapasse além dos contornos traçados pelo instrumento contratual e busque outros subsídios que possam revelar a real vontade das partes.

Nesse sentido, Diogenes Gasparini preleciona: “a interpretação há de concentrar-se no texto do contrato e nos documentos que o integram (lei, edital, cadernos de encargos, projetos) e, se de tudo não surtir a correta exegese, deve o intérprete lançar mão de elementos encontráveis fora do contrato, que lhe sejam pertinentes ou que lhe serviram de antecedentes.”

Perfilhando o mesmo caminho, Hely Lopes Meirelles observa que “na interpretação dos contratos administrativos deve-se levar em consideração as ordens de serviço e as instruções para sua execução, bem como as manifestações do contratado, porque tais documentos expressam concretamente a intenção e a vontade das partes.”

Pois bem, conforme já asseveramos em outra oportunidade , tradicionalmente, todos os veículos destinados ao uso dos Senhores Vereadores deste Legislativo têm as mesmas características, não se fazendo qualquer distinção entre os automóveis que serão utilizados pelo Exmo. Sr. Presidente da Casa ou pelos Nobres Parlamentares integrantes da E. Mesa e os demais Ilustres Edis.

Em 1997, o Ato nº 587 criou uma Comissão Especial, presidida pelo ilustre Vereador Milton Leite e composta pelos Nobres Vereadores José Viviani Ferraz e Emílio Meneghini, destinada à elaboração de estudos sobre as eventuais vantagens técnicas e econômicas em adotar-se uma padronização para a frota de veículos de representação parlamentar da Edilidade. Após o levantamento realizado, a mencionada Comissão Especial elaborou um relatório, concluindo que “a adoção da padronização da frota de veículos é a alternativa que melhor atende ao interesse da Administração” e definiu as características que todos os veículos oficiais que seriam adquiridos naquela ocasião deveriam apresentar (DOCS. 1/2). Referido relatório foi acolhido pela E. Mesa, que decidiu pela “abertura do respectivo procedimento licitatório para a aquisição de 57 (cinqüenta e sete) veículos, com as características retro apontadas, destinados à renovação da frota de Representação Parlamentar” (destaques nossos).

Em 2003, quando a E. Mesa Diretora decidiu pela renovação da frota, foram sopesadas as alternativas encontradas no mercado relativas à segurança, desempenho de motor, espaço interno, conforto, consumo de combustível e erigidas aquelas consideradas relevantes e necessárias na utilização dos veículos de representação.

A decisão proferida em 06/03/2003, possui o seguinte teor: “A MESA DIRETORA, em reunião realizada nesta data, DECIDIU adquirir 60 (sessenta) veículos oficiais para uso dos Senhores Vereadores, bem como para a administração da Casa, com a seguinte caracterização: tipo sedan, bicombustível, GNV (gás natural veicular) e gasolina/álcool; com chaveador automático de mudança de combustível; motor com potência mínima 1.8; 4 portas, direção hidráulica; ar condicionado, trio elétrico, com garantia de fábrica e prazo de entrega de 30 (trinta) dias”, sendo certo que, em 11/03/2003, a exigência do sistema bi-combustível foi excluída, haja vista sua potencial possibilidade de restringir o número de interessados no respectivo certame, mantendo-se as demais características, e em 05/06/2003, a E. Mesa decidiu pela aquisição dos veículos, por meio de locação de 55 (cinqüenta e cinco) unidades, ao invés da compra inicialmente divulgada, permanecendo a mesma caracterização dos veículos. E nesses moldes foram elaborados o edital do Pregão nº 04/2003 e o respectivo contrato nº 17/2003.

Estes atos da Administração, anteriores à celebração do contrato nº 17/2003, demonstram, de forma inequívoca, a intenção da Edilidade de colocar à disposição dos Nobres Vereadores, para uso em representação oficial, veículos com idênticas características, do mesmo padrão.

Por outro lado, se à contratada não pareceu tão óbvia assim esta interpretação, restava-lhe, ainda na fase do certame, apresentar impugnação ao edital, ou, ao menos, solicitar esclarecimentos sobre as obrigações que seriam exigidas do vencedor da competição, como o fizeram outros concorrentes.

Com efeito, a Lei Federal de Licitações estabelece que:

“Art. 41 – A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.
(…omissis…)
§ 2º – Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a Administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciaram esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.”

A respeito dessa matéria, o edital do Pregão nº 04/2003 estabeleceu que:

“7.1. Até 02 (dois) dias úteis antes da data fixada para a reunião do Pregão, qualquer pessoa poderá solicitar esclarecimentos, providências ou impugnar o ato convocatório do Pregão.”

“13.13. Qualquer pedido de esclarecimento em relação a eventuais dúvidas na interpretação do presente Edital e seus Anexos, deverá ser encaminhado, por escrito, ao Pregoeiro, na sala da Comissão de Julgamento das Licitações, sala nº 909, 9º andar, no Viaduto Jacareí, 100, nesta Capital, observado o prazo previsto no subitem 7.1. do edital.” (os destaques constam do original).

As empresas Autman Locação de Veículos Ltda. e Transkomby Locadora de veículos Ltda. questionaram diversos pontos do ato convocatório (responsabilidade da contratada sobre seguro dos veículos, mau uso dos veículos, multas de trânsito, manutenção dos automóveis). Os esclarecimentos foram prestados e as impugnações rejeitadas (com exceção ao tópico do emplacamento dos veículos, que foi alterado), sendo certo que as respostas e interpretações da Ilustre Pregoeira sobre estes questionamentos foram regularmente publicadas na imprensa oficial e encaminhadas, pelo correio eletrônico, a todas empresas que retiraram o edital, inclusive para a empresa Lapenna Car Ltda. (fls. 275). Contudo, a substituição de que trata o item 3.1.7 não foi contestada por nenhum interessado.

Prescreve a Lei de Licitações que:

“Art. 40 – (…omissis…)
§ 2º – Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:
(…omissis…)
III – a minuta do contrato a ser firmado entre a administração e o licitante vencedor;”

Art. 54 –(…omissis…)

§ 1º – Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.”

Desta feita, parece-nos que, se no entender da empresa Lapenna Car Ltda. as cláusulas do contrato não lhe eram claras ou precisas, ou impediam a definição das obrigações e responsabilidades que eventualmente teria que assumir na hipótese de lograr vencer a licitação, deveria ter suscitado suas dúvidas no momento oportuno, principalmente levando em conta as significativas e notórias repercussões advindas do dever prescrito no item 3.1.7 da cláusula terceira do contrato. Obviamente, as implicações na esfera econômica e até mesmo no âmbito da estrutura e organização interna da empresa seriam diversas dependendo do encargo de substituir os veículos por outros do mesmo padrão ou por outros mais simples, de modelo popular, como vulgarmente se diz.

Hely Lopes Meirelles asseverou que: “A impugnação ao edital viciado ou defeituoso deve ser feita administrativamente, sempre antes da entrega das propostas, pois que após essa fase, sem protesto, entende-se que seu conteúdo e suas exigências foram aceitos por todos os participantes da licitação” (destaques nossos).

A empresa Lapenna Car Ltda. não impugnou o edital. Participou do certame regularmente, sem contestar ou questionar a obscuridade de suas regras, – seja através de solicitação de esclarecimentos, seja através de impugnação ao edital -, enviou seu representante para o ato de abertura do Pregão, apresentou a documentação exigida e sua proposta financeira, onde consta expressamente: “Declaramos conhecer e nos submetemos integralmente a todas as demais cláusulas e condições do edital de licitação, integrante da proposta” , venceu o certame e subscreveu o contrato nº 17/2003, em 18/07/2003.

Somente em 07/10/2003, quer dizer, após três meses de vigência do ajuste, a empresa Lapenna Car Ltda. apresentou um requerimento queixando dos encargos que assumiu pelas manutenções preventiva e corretiva dos veículos e pleiteando a modificação do instrumento contratual. A E. Mesa, acolhendo a manifestação desta ACJ , decidiu pelo indeferimento do pedido e enviou à empresa o Ofício SGA nº 36/2004 , dando-lhe ciência da decisão.

Se, de um lado, a real vontade deste Legislativo ao firmar o contrato nº 17/2003 restou demonstrada através da interpretação do próprio instrumento 1contratual, assim como da tradição adotada pela Casa de adquirir todos veículos de representação com as mesmas características, de outro, militam em desfavor da empresa Lapenna Car Ltda. seus próprios argumentos apresentados ao longo da contratação.

De fato, quando a contratada requereu a alteração das cláusulas referentes à manutenção dos veículos, alegou que “após o início da execução do contrato, constatamos que determinados eventos não podem ser considerados como manutenção corretiva ou preventiva dos veículos” e “ao analisar o contrato” verificou que o mau uso dos veículos “é uma hipótese não ventilada” que não pode ser enquadrada na manutenção corretiva ou preventiva, pois decorre de um uso anormal “que fere o desempenho dos veículos” e “causa uma despesa totalmente fora da proposta” (destaques nossos).

A surpresa da contratada com as obrigações contratuais que assumiu pela manutenção dos veículos foi, como já dissemos, um dos pontos suscitados por outros concorrentes no certame e o entendimento da Pregoeira sobre esta questão foi publicado no DOM e encaminhado a todos que manifestaram interesse na contratação.

Neste momento, para justificar o inadimplemento apontado pelo setor responsável, a empresa questiona as cláusulas do contrato que estipulam sua obrigação de substituir os veículos locados.

Por outro lado, ao ser instada a se manifestar sobre o eventual descumprimento do avençado, empresa Lapenna Car Ltda. informou estar providenciando a aquisição de novos veículos, bem como solicitou a “compreensão e autorização de V.Sas. para substituição por veículos 1.0 – 4 portas”.

Ora, caso alguma dúvida realmente houvesse permanecido acerca das obrigações contratuais, por qual motivo a contratada rogaria a aceitação de veículos mais simples até a aquisição dos demais veículos do mesmo padrão exigido no edital e no contrato?

Ao revés, se de fato procedessem as alegações de obscuridade das cláusulas contratuais e a incerteza sobre seus encargos, por que a empresa demonstraria sua preocupação em não atender a uma das disposições contratuais, se, conforme seu entendimento, o contrato não exige que os carros sejam todos do mesmo padrão?

Tudo está a indicar que a empresa Lapenna Car Ltda. não se atentou para as obrigações a que estaria vinculada na hipótese de vencer o Pregão nº 04/2003 e para desvincular-se delas pretende minar o contrato nº 17/2003. É a conclusão que exsurge quando a contratada reconhece que teria analisado os termos contratuais somente em outubro de 2003 e identificado, no corpo do ajuste, encargos não considerados no momento em que elaborou seus preços. Registre-se novamente que a empresa declarou expressamente em sua proposta financeira conhecer e concordar com todos os termos da contratação.

Entendemos que a divulgação prévia do instrumento convocatório tem como objetivo conferir aos eventuais interessados plena ciência das obrigações a que estarão obrigados caso vençam o certame e, também, para que possam aferir, de antemão, se detêm condições técnicas e financeiras para assumir os ônus decorrentes da contratação.

Ao apresentar sua proposta, o concorrente declara expressamente ter conhecimento das normas constantes do edital e do contrato e, ao mesmo tempo, declara concordar com todos seus termos (quer dizer, leu, compreendeu e concordou com as exigências da Administração).

Persistindo alguma dúvida, o interessado deverá se valer do instrumento adequado para saná-la, previsto na Lei de Licitações, qual seja a impugnação ao edital. Não o fazendo, em homenagem ao princípio da segurança jurídica que deve imperar nas relações contratuais, decairá do direito de questionar as regras do jogo licitatório do qual pretenda participar.
O que não se pode admitir é que após consagrar-se vencedor da concorrência, o particular contratado comece a suscitar indagações sobre as dimensões das obrigações que conheceu e concordou antecipadamente, com as quais se encontra plenamente vinculado, e sob o fictício pretexto de desconhecê-las, comece a descumprí-las.

Caso o contratado não tenha conferido ao procedimento licitatório a atenção e seriedade devidas, deverá amargar o sabor de suportar os ônus de um orçamento mal elaborado em virtude de sua culpa exclusiva pela análise defeituosa do ato convocatório e do respectivo contrato, aos quais se encontra inteiramente atrelado.

A E. Mesa definiu as características que os veículos de representação devem ostentar e adotou um padrão para a frota da Edilidade. Obviamente que havendo necessidade de substituir-se algum dos carros locados, independentemente do motivo ocasionador da substituição, seja em razão de avaria, seja em decorrência de manutenção ou revisão, o veículo substituto deve apresentar os mesmos atributos que o substituído.

É irrelevante para o Nobre Parlamentar ou outro usuário do carro oficial locado da empresa Lapenna Car Ltda. se se trata de automóvel “reserva” ou não, o veículo de representação colocado à disposição da Edilidade, por força do contrato nº 17/2003 deve ostentar as características que a E. Mesa, segundo seus exclusivos critérios de conveniência e oportunidade, escolheu como padrão, exigiu no Pregão nº 04/2003 e no instrumento contratual em apreço.

Diante deste quadro, entendemos que o contrato nº 17/2003 estabelece claramente o alcance e a extensão das obrigações da contratada relativas à substituição dos veículos, não merecendo nenhum reparo neste aspecto, visto que restou exaustivamente evidenciado que todos os veículos colocados à disposição da Edilidade, por conta deste contrato, devem observar o padrão adotado pela E. Mesa que consta da cláusula primeira, item 1.2 do instrumento.

Por via de conseqüência, na hipótese da empresa Lapenna Car Ltda. entregar à Edilidade veículos com características diversas daquelas elencadas no contrato, estará cumprindo irregularmente o pactuado e sujeitando-se às penalidades estabelecidas no contrato.

III-2. DA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PELO CUMPRIMENTO IRREGULAR DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS

A Lei de Licitações preceitua que:

“Art. 58 – O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
(…omissis…)
III – fiscalizar-lhes a execução;
IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;”

“Art. 66 – O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas previstas nesta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.”

“Art. 67 – A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assistí-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º – O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.”

O contrato nº 17/2003 estipulou as sanções aplicáveis em decorrência de inadimplemento do pactuado:

“8.1. Além das sanções previstas no Capítulo IV da Lei Federal 8.666/93, alterada pela Lei Federal 8.883/94 e do Edital que precede este Contrato, a CONTRATADA estará sujeita às seguintes penalidades:
(…omissis…)
8.1.2 – Multa por inexecução parcial do ajuste: 10% (dez por cento) do valor do Contrato atualizado;

8.1.3 – Multa por inexecução total do ajuste: 20% (vinte por cento) do valor do Contrato atualizado;

8.1.5 – Multa por descumprimento de qualquer cláusula contratual não contemplada especificamente: 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre o último valor mensal pago” (destaques nossos).

A aplicação das penalidades, portanto, está jungida à fiscalização da Administração, que deve estar consubstanciada em um controle efetivo das obrigações contratuais, devidamente registrado no respectivo processo, através de documentos, relatórios, memorandos, comunicações à empresa contratada. Desse modo será possível, a um só tempo, possibilitar à Administração aferir a desídia do particular e, ao particular o exercício da ampla defesa.

Esta ACJ tem se pronunciado incansavelmente sobre a importância desse controle efetivo dos contratos da Edilidade pela legítima intenção de resguardar os interesses deste Legislativo na eventualidade de serem interpostas demandas judiciais. Vale lembrar um conhecido brocardo jurídico: “o que não está nos autos não está no mundo”.

O contrato nº 17/2003 não se descuidou desta matéria, pois na cláusula quinta estipulou que:

“5.1. A fiscalização do Contrato ficará a cargo da CONTRATANTE, através do Departamento responsável, que designará um servidor para fiscalizar o presente contrato, cujo desempenho será conjunto e acompanhado pelo Diretor do Departamento responsável, sendo este o seu interlocutor.

5.2. Caberá à Fiscalização exercer rigoroso controle do cumprimento do Contrato, em especial quanto à qualidade dos serviços e condições da frota, fazendo cumprir todas as disposições da Lei e do presente Contrato.”

No caso ora em comento, o gestor do contrato informou inúmeras irregularidades praticadas pela empresa: “demora na substituição do veículo, por ocasião de panes”; ausência de “veículo reserva disponível na garagem da Edilidade” para suprir qualquer eventualidade, principalmente nos fins de semana e à noite, “visto a dificuldade em contactar a locadora nesses períodos”; nos veículos que atingiram 15.000 Km (quinze mil quilômetros) e submetidos à revisão, foi efetuada somente “a troca de óleo, sem a substituição do filtro”; não houve a reposição dos equipamentos destinados a troca de pneus “que foram roubados de 02 (dois) veículos locados” (fls. 135); descontentamento dos Srs. Vereadores com a substituição dos veículos locados por outros de qualidade inferior ao pactuado (fls. 219-verso e 252).

Todavia, considerando o objeto do contrato, qual seja a locação de 55 (cinqüenta e cinco) veículos e a substituição daqueles impossibilitados de circular, não nos parece que as anotações realizadas pelo setor sejam suficientes para aferir-se as reais dimensões do descumprimento do avençado e, por conseguinte, penalizar a contratada.

Com efeito. Ao menos no âmbito deste processo, não há identificação individualizada dos veículos efetivamente colocados à disposição da Edilidade, constam apenas as relações apresentadas pela empresa Lapenna Car Ltda., por ocasião da solicitação dos pagamentos e, segundo tais documentos, todos os veículos entregues são da marca FIAT, modelo Siena ELX 4 (quatro) portas (fls. 14/15, 94/95, 114/115, 127/128, 214/215, 244/245 e 277/278), ou seja, de acordo com os autos, as disposições contratuais foram plenamente atendidas, para todos os efeitos, os veículos foram entregues nos exatos termos exigidos pelo contrato. Neste processo não há registro que comprove a entrega dos veículos que não se coadunam com a descrição exigida no contrato, noticiada pelo setor responsável.

De acordo com o gestor do contrato, vários Vereadores estariam insatisfeitos com a substituição dos carros locados por outros de padrão inferior, porém, consta dos autos somente a reclamação do Vereador Gilberto Natalini (fls. 134); noticia-se um furto dos kits para troca de pneus, mas também não há nenhum registro sobre estas ocorrências nem a identificação dos veículos que estariam sem referidos equipamentos.

Reclama-se de demora na substituição dos veículos, mas não se sabe de quanto tempo é esse atraso.

Paralelamente, queixa-se que não permanecem na garagem da Edilidade veículos reserva para eventualidades, no entanto, tal exigência não consta do contrato e não se tem notícia nos autos que tenha sido firmado algum aditamento para incluí-la no rol de obrigações da contratada.

Também não consta dos autos que a empresa tenha atendido a exigência do item 3.1.5 do contrato de comunicar a Edilidade, por escrito, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, a substituição dos veículos locados por conta da realização de manutenção preventiva e corretiva, haja vista que o setor responsável, à fl. 135, informou que alguns automóveis já atingiram 15km (quinze mil quilômetros) e passaram pela revisão e não há nenhuma correspondência da contratada a esse respeito.

Enfim, a ausência de elementos concretos que demonstrem as irregularidades da contratada, de tal modo que se possa aquilatar as proporções do descumprimento contratual, a par da imprecisão da redação das cláusulas editalícias e contratuais que estipularam os percentuais das multas, como observou esta ACJ em outra oportunidade, a nosso ver, inviabilizam, ao menos por ora, a aplicação de pena à empresa Lapenna Car Ltda., pois, como assevera Marçal Justen Filho “o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprobabilidade da infração”.

A título de sugestão, caso o setor não tenha feito um controle minucioso, pois, repetimos, não há registro nesse processo, parece-nos que a entrega e substituição dos veículos deverão ser anotadas, e os carros individualmente identificados. Se um automóvel entregue não corresponder ao estatuído no contrato, o setor deverá descrevê-lo, identificando sua marca, modelo, cor, ano placas, enfim, tudo o que seja relevante para caracterizá-lo e configurar efetivamente o descumprimento contratual, notificando imediatamente a empresa sobre tal irregularidade.

De outro lado, se o setor, por acaso, mantém estes registros, sugerimos que sejam anexados a este processo.

IV – CONCLUSÕES

O objeto do contrato nº 17/2003 compreende a locação de 55 (cinqüenta e cinco) veículos, bem como a substituição dos automóveis impossibilitados de circular por outros com as mesmas características, sendo certo que todos os veículos locados devem observar o padrão adotado pela Edilidade, que está especificado no item 1.2 do instrumento contratual;

No que diz respeito à substituição dos veículos, o contrato nº 17/2003 não dá margem a dúvidas quanto a sua caracterização, haja vista que todos devem observar o padrão adotado pela E. Mesa e relacionado no item 1.2 do instrumento contratual, motivo pelo qual não vislumbramos necessidade de modificação dos termos ora avençados;

A empresa Lapenna Car Ltda. conheceu previamente e concordou expressamente com todas as exigências do edital e do contrato, não podendo furtar-se a cumprí-las, alegando desconhecimento ou imprecisão de suas cláusulas, sob pena de sujeitar-se às conseqüências de seu inadimplemento;

A entrega de veículos com características diversas daquelas elencadas no contrato configura o cumprimento irregular do item 3.1.7 da cláusula terceira e poderá ensejar a aplicação das sanções estabelecidas no instrumento contratual;

A contratada justifica o descumprimento do referido item 3.1.7 alegando que “em nenhum momento é especificado que esta substituição teria que ser obrigatoriamente por veículos do mesmo padrão” (interpretação do contrato que não se revelou como a mais adequada), sendo certo que, das declarações apresentadas pela empresa em 22/12/2003 é possível inferir sua exata compreensão sobre o dever de observar o padrão dos veículos instituído pela E. Mesa;

Os autos não se encontram instruídos com documentos que comprovem o cumprimento irregular do já mencionado item 3.1.7, nem tampouco as demais irregularidades apontadas pelo setor responsável;
Caso as irregularidades relatadas nos autos tenham sido devidamente identificadas e registradas, os respectivos documentos deverão ser anexados ao presente processo.

Ante tais circunstâncias, a E. Mesa poderá:

a) acolher as justificativas da empresa e não aplicar as multas decorrentes do inadimplemento, entendendo que o instrumento contratual não era claro e preciso quanto à obrigação da contratada de substituir os veículos locados por outros do mesmo padrão;

b) não acolher as justificativas da empresa e não aplicar as multas decorrentes do inadimplemento, caso as irregularidades relatadas nos autos não tenham sido devidamente identificadas e registradas pelo setor responsável;

c) não acolher as justificativas da empresa e aplicar as multas decorrentes do inadimplemento, na hipótese das irregularidades apuradas terem sido devidamente individualizadas e anotadas pelo setor responsável e os respectivos documentos sejam anexados aos autos;

d) encaminhar ofício à contratada para sanar eventual dúvida sobre o objeto do contrato nº 17/2003 (locação de veículos e substituição por outros do mesmo padrão) e doravante, na eventualidade da empresa continuar a descumprir o mencionado item 3.1.7, aplicar as sanções cabíveis.

Recomendamos que o setor responsável mantenha um controle rigoroso, se ainda não o fez, de todos os veículos colocados à disposição da Edilidade, anotando a entrega e a retirada dos automóveis pela empresa, com o respectivo motivo (revisão rotineira, manutenção, avaria etc.), bem assim com as substituições correspondentes, relacionando-os e identificando-os individualmente, como determina a cláusula quinta do instrumento, bem assim que toda irregularidade apurada seja consignada detalhadamente.

É a nossa manifestação, que submetemos à apreciação superior, acompanhada de minuta de ofício, que segue a título de sugestão.

São Paulo, 11 de maio de 2004.

MARIA HELENA PESSOA PIMENTEL
OAB/SP nº 106.650
Indexação

Contrato
Licitação
Descumprimento
Cláusula contratual
Inadimplemento
Penalidade
Locação de veículos