ACJ-1 – Parecer n° 107/05.
Referências: Processo n°. 188/2004 (TID 104866); Processo nº 1297/2004 (TID 217436).
Assunto: Solicitações visando a que a CMSP conceda os seguintes reajustamentos de vencimentos: reajuste a que se refere o art. 5º, inciso II, combinado com o artigo 10 da Lei Municipal nº 13.448/2002; revisão referida no art. 1º da Lei Mun. nº 13.653/03; revisão referida no art. 1º da Lei Municipal nº 13.862/04. II – Fixação, alteração e revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos do Poder Legislativo municipal. Art. 37, inciso X da Constituição Federal. Iniciativa legislativa. Outros aspectos.
Sra. Advogada Supervisora
1. Segundo os autos nº 188/2004, a Associação dos Servidores da Câmara Municipal de São Paulo (ASCMSP), por seu Presidente, solicitou à E. Mesa o pagamento, aos servidores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), do reajuste previsto nos termos do artigo 5º, inciso II, da Lei Municipal nº 13.448, de 30/10/2002, alegando que “esse reajuste foi pago normalmente aos servidores do Executivo e do TCM” (fl. 01).
1.1. Aos 16/12/2004, estes autos nº 188/04 vieram encaminhados pela Secretaria Geral Administrativa à Advocacia e Consultoria Jurídica, em função de “questionamento colocado pelo Gabinete da Presidência” (fl. 65-verso).
1.1.1. Um questionamento diz respeito à iniciativa legislativa para dispor sobre reajuste da remuneração dos servidores do Legislativo Municipal (cf. fls. 02, parte final, item 2).
Também diz respeito à iniciativa legislativa o questionamento formulado ao final da manifestação de fls. 48 a 52 [fls. 52, in fine), que, trazendo à colação a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98 ao inciso X do artigo 37 da Constituição Federal (“X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” – negrito conforme fls. 52), solicita pronunciamento acerca da constitucionalidade do art. 10 da Lei nº 13.448/02 (“Art. 10 – As disposições contidas nesta lei aplicam-se, no que couber, (…) aos servidores da Câmara Municipal (…)”.
1.1.2. Na parte inicial desta mesma manifestação, fls. 48/52, consta ainda questionamento acerca da competência para a autorização administrativa do processamento e respectivo pagamento do reajuste pleiteado.
2. Paralelamente, nos autos nº 1297/2004 cuida-se do solicitado pelo funcionário referenciado, que, tendo em vista o reajustamento remuneratório previsto no art. 5º, inciso II da Lei Municipal nº 13.448/02, o previsto no art. 1º da Lei Mun. nº 13.653/03 e o previsto no art. 1º da Lei Mun. nº 13.862/04, requereu as correspondentes atualizações de seus vencimentos e o pagamento retroativo às respectivas datas, alegando que “seu requerimento se justifica, uma vez que as mencionadas Leis Municipais dispõem sobre a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos municipais, em cumprimento ao disposto no art. 37, inciso X, da Constituição Federal” (fl. 01).
3. Acerca das demandas em torno dos acréscimos remuneratórios antes noticiados, recaem questionamentos expendidos, ainda ao final do ano de 2004, no âmbito do Gabinete da Presidência. Pedimos vênia para condensar essas questões, como se nos afigura, da seguinte forma: a) a questão da iniciativa legislativa no tocante à remuneração dos servidores do Legislativo (com a observação de que foi do Executivo a iniciativa dos respectivos projetos de leis), extraindo, ao que se pode depreender, da reserva de iniciativa, que a expressão “no que couber” contida nos citados diplomas, relativamente à sua aplicação aos servidores deste Legislativo, somente poderia equivaler a referência a valores máximos de reajuste; b) a inexistência, nos respectivos projetos de leis, de estudo de impacto orçamentário-financeiro relativo aos servidores da Edilidade; c) que, portanto, a legislação invocada não se aplica aos servidores deste Legislativo, dada a independência deste Poder municipal.
Assim brevemente relatado, passamos a nos manifestar.
4. Quanto à questão acima descrita no tópico 1.1.2, supra (competência para a autorização do reajuste pleiteado), foi ela objeto de exame no âmbito desta ACJ, conforme se verifica da cópia de fls. 54/62 (trazida aos autos 188/04 pela mesma autora da manifestação de fls. 48/52), do Parecer ACJ nº 362/04, da lavra do então Sr. Advogado Chefe da Advocacia e Consultoria Jurídica. Tratando de questão diversa mas que, s.m.j., guarda similitude de tratamento com esta que ora nos ocupa (indagava-se, naquela ocasião, a quem cabia a competência administrativa para determinar cortes na remuneração de servidores deste Legislativo, ao alegado fundamento de inconstitucionalidade e ou ilegalidade de determinadas parcelas remuneratórias integrantes da respectiva remuneração), naquela manifestação técnica concluiu-se no sentido de que a deliberação competia à Mesa Diretora, e não ao Presidente isoladamente. De igual modo, somos de opinião que a competência é da Egrégia Mesa, também no presente caso, a teor dos arts. 14, III e 27, I da Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOM/SP), do art. 13, caput e inciso II, alíneas “a” e “e” do Regimento Interno da Câmara Municipal (RI-CMSP), bem como do art. 35 da Lei Municipal nº 13.637/03.
5. Cumpre examinar, a seguir, a questão da iniciativa legislativa para a fixação e alteração da remuneração dos servidores deste Legislativo municipal.
Trata-se de questão complexa para a qual ainda não foi alcançado entendimento uniforme e estável nas diversas instâncias institucionais incumbidas do tratamento da matéria.
5.1. Por essa razão, mostra-se necessário, inicialmente, trazer a lume um princípio constitucional informador do processo legislativo nos sistemas federativos, como o brasileiro, qual seja, o assim chamado princípio da simetria.
5.2. Ao depois, parece oportuno referir alguns pontos da trajetória evolutiva do dispositivo ora consubstanciado no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal e sua respectiva aplicação, para chegar-se a uma visualização mais segura do atual estágio de tratamento do tema da fixação, alteração e da revisão da remuneração do funcionalismo público, voltando-se a atenção especialmente para a remuneração dos servidores do Legislativo.
6. Em matéria de processo legislativo, é assente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF (órgão judiciário magno, ao qual é atribuída a relevante função de guardião da Constituição, nos expressos termos do art. 102, caput, da Constituição Brasileira) o entendimento expresso nas seguintes ementas de acórdãos:
6.1. “Processo legislativo: consolidação da jurisprudência do STF no sentido de que – não obstante a ausência da regra explícita na Constituição de 1988 – impõe-se à observância do processo legislativo dos Estados-membros as linhas básicas do correspondente modelo federal, particularmente as de reserva de iniciativa, na medida em que configuram elas prisma relevante do perfil do regime positivo de separação e independência dos poderes, que é princípio fundamental ao qual se vinculam compulsoriamente os ordenamentos das unidades federadas” (STF – T. Pleno; ADIn nº 872-RS (Medida Cautelar); rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 03/06/1993; v.u.).
6.2. “Processo legislativo: modelo federal: iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, em termos, ao poder constituinte dos Estados-membros.
1. As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República” (STF – T. Pleno; ADIn nº 1.434-0 SP; rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 10/11/1999; m.v.).
6.3. De ser observado desde logo que, embora as ementas acima transcritas refiram-se ao processo legislativo dos Estados-membros (vez que o objeto das respectivas ações dizia respeito a unidade político-administrativa situada neste nível da nossa federação), a regra vale também para o processo legislativo dos Municípios brasileiros, pela força combinada dos artigos 29, caput e 25, caput da nossa Carta Republicana.
7. A seguir, passemos a reportar alguns pontos da evolução da matéria disposta no inciso X do artigo 37 da Lei Fundamental.
7.1. Em sua redação original, a Carta de 1988 dispunha no referido dispositivo que:
“X – a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores civis e militares, far-se-á sempre na mesma data”.
7.1.1. Na vigência desta redação (ou seja, desde 05/10/1988, quando promulgada a Constituição Federal, que introduziu o dispositivo, até 04/06/1998, quando promulgada a Emenda Constituição nº 19/98, que lhe alterou a redação), a sua aplicação obedecia aos contornos retratados no v. acórdão exarado em 19/02/1997 pelo E. Supremo Tribunal Federal – STF, por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.307-7 DF, Relator o eminente Min. Marco Aurélio, que alcançou maioria de votos. Da leitura dos substanciosos votos então proferidos, resulta claro que, para a corrente que predominou, por majoritária, a revisão geral da remuneração não se encontrava sujeita às regras de iniciativa legislativa reservada das Mesas Diretoras das Casas Legislativas (nem tampouco às de reserva de iniciativa concernentes ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, etc.).
A orientação então predominante no STF – tanto no seu próprio âmbito administrativo, quanto na sua típica função jurisdicional – foi neste julgamento bem sintetizada pelo eminente Ministro Sydney Sanches, na seguinte passagem de seu voto, que restou vencido: “(…) a orientação administrativa do Tribunal, segundo a qual, em se tratando de revisão geral de vencimentos de todos os servidores do Poder Executivo, ela se estende automaticamente aos servidores do Poder Judiciário, independente de lei, (…)” – esclareça-se: independe de lei para essa extensão, mas não para o concreto estabelecimento da “revisão geral de vencimentos de todos os servidores do Poder Executivo” (para usar os dizeres do texto transcrito do r. voto).
7.2. A Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998 deu a seguinte redação ao preceito constitucional:
“X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
7.3. Na ADIn nº 2.061-7 – DF, a unanimidade do Tribunal Pleno do colendo STF julgou, em 25 de abril de 2001, a ação parcialmente procedente, no mérito, para, nos termos do r. acórdão, “assentar a mora do Poder Executivo no encaminhamento do projeto previsto no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, e determinar a ciência àquele a quem cabe a iniciativa do projeto, ou seja, ao Chefe do Poder Executivo”, ficando assim ementado o r. decisum, na parte referente à iniciativa legislativa:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC Nº 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998).
Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, § 1º, II, a, da CF” (STF – T. Pleno; ADIn nº 2.061-7 DF; rel. Min. Ilmar Galvão; j. 25/04/2001; v.u.).
Dos termos deste julgado resultou entendido que nele o STF, pela unanimidade de seus i. Ministros, deixou assentado o entendimento no sentido de que a iniciativa legislativa na matéria da revisão geral anual disposta no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, em sua redação dada pela EC 19/98, era privativa do Chefe do Poder Executivo, relativamente a todos os servidores de todos os Poderes da União.
7.4. Nessa trilha foi editada, no âmbito da Administração Federal, a Lei nº 10.331, de 18 de dezembro de 2001, de iniciativa do Presidente da República, que “Regulamenta o inciso X do art. 37 da Constituição, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais” (conforme sua ementa).
No que tange à revisão geral anual no âmbito do funcionalismo do Município de São Paulo, na mesma senda, um mês depois foi editada a Lei Municipal nº 13.303, de 18 de janeiro de 2002, de iniciativa da Prefeita, cuja ementa declara que “Dispõe sobre a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos municipais, de que trata o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, bem como sobre os reajustes de seus vencimentos, e dá outras providências.”
7.5. De outra banda, nesta linha de entendimento, paralelamente, também se podia admitir que a parte inicial do inciso X do art. 37 da CF faz referência genérica abrangente de todas as modalidades de determinação do valor da remuneração dos servidores públicos (fixação e alteração – esta última, podendo desdobrar-se nas espécies do aumento, do reajuste e da revisão geral anual), para as quais haveria de ser “observada a iniciativa privativa em cada caso” – com a única ressalva, quanto à iniciativa legislativa, referente à revisão geral anual, em relação à qual, como visto, o STF havia majoritariamente propendido pela iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo para a disciplina da matéria com abrangência para todos os servidores da União, para tal resultando assim dispensada a edição de lei de iniciativa específica de cada Poder.
7.5.1. A título ilustrativo, é de se ter presente a distinção entre os conceitos de revisão, de aumento e de reajuste, em matéria de remuneração dos servidores públicos.
Assim, a revisão de remuneração constitui imperativo constitucional, é ampla, periódica (anual), compulsória, igual e em dada ocasião (“sempre na mesma data”) para todos os servidores públicos (de forma paritária, portanto), traduzindo idéia de tentativa de recomposição (ou, ao menos, exame da possibilidade dessa recomposição, mesmo que eventualmente parcial), podendo-se dizer que, vindo a se concretizar, trata-se de reajuste ou reposição geral.
O aumento representa uma elevação de vencimentos, por se fazer em índices não proporcionais ao do decréscimo do poder aquisitivo, abrangendo geralmente determinados cargos ou classes funcionais.
O reajuste vincula-se, tal como a revisão geral, à idéia de recomposição – eventualmente parcial – do poder aquisitivo dos estipêndios, diferenciando-se por não se revestir de cogência constitucional – e, por conseguinte, submetendo-se a limitações de ordem orçamentária e financeira –, e por não estar vinculado a periodicidade de implementação.
7.6. Eis que, no último mês de dezembro/2004, em venerando acórdão que julgou pedido de tutela liminar em controle abstrato de constitucionalidade, o egrégio STF, também pela unanimidade de seu Tribunal Pleno, vem de prolatar julgado assim ementado:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: RESERVA DE LEI. CF, ART. 37, X; ART. 51, IV, ART. 52, XIII. ATO CONJUNTO Nº 01, DE 05.11.2004, DAS MESAS DO SENADO FEDERAL E DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
I. – Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII.
II. – Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto nº 01, de 05.11.2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF – T. Pleno; Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.369-7 DF; rel. Min. Carlos Velloso; j. 16/12/2004; v.u.).
Nos termos deste venerando acórdão, por unanimidade foi concedida a cautelar, para suspender o Ato Conjunto nº 01, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, publicado em 05/11/2004, nos termos do voto do Relator.
7.7. Na esteira deste recente acórdão do c. STF, parece necessário ter em conta duas ordens de consideração.
7.7.1. Pela primeira – embora abstendo-nos de aventar qualquer prognóstico sobre o desenrolar da questão posta ao criterioso exame da mais alta corte constitucional do país –, pedimos vênia para considerar a possibilidade de, a exemplo do que se verificou no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.307-7 DF (mencionado no item 7.1.1., retro), vir também na comentada ADIn a ser examinada a natureza da alteração remuneratória nela questionada, a saber se se trata de revisão geral anual, de aumento ou de reajuste (conforme a distinção antes apontada no item 7.5.1).
E, em consonância com o que possa vir a ser concluído acerca da espécie de acréscimo remuneratório em causa, uma hipótese que não pode ser desconsiderada é a de não ser ele tido como revisão geral anual, e assim, dispensado o reexame da questão da iniciativa legislativa em matéria de revisão geral anual, não restar afinal infirmado – e, portanto, resultar subsistente, inclusive por conta da sistemática adotada com base e a partir da Lei Federal nº 10.331/2001 –, o entendimento no sentido da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo em matéria de revisão geral anual, relativamente aos servidores de todos os Poderes da respectiva esfera federativa.
Registre-se, por oportuno, que ponderáveis são os fundamentos que se invocam a embasar o entendimento neste sentido. Por brevidade faz-se aqui, à guisa de indicação desses fundamentos, ao quanto explanado com muita propriedade nas razões de “Veto Parcial ao Projeto de Lei nº 336/2004”, aposto pelo Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul (conforme cópia inclusa, colhida junto ao site [http://proweb.procergs.com.br]).
Como visto, esta é hipótese que poderá vir a se configurar, em sendo o caso, à vista dos termos em que vier a se dar o julgamento final na ADIn indicada no item 7.6).
7.7.2. Até lá, parece prudente ter em conta uma segunda linha de ponderação, segundo a qual, em face da conjugação dos dispositivos constitucionais expressamente referidos na ementa e no corpo do acórdão indicado no item 7.6, retro, há que se considerar a hipótese de que – ao menos enquanto vigorar em seus termos a liminar concedida – estaria sendo desautorizada a linha de entendimento antes reportada, no sentido de ser privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa para as periódicas leis específicas concretizadoras da revisão geral anual, com abrangência para todos os servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional da esfera federativa considerada (excluídos portanto apenas os trabalhadores das respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista), dispensada assim a edição de lei específica de iniciativa privativa no âmbito de cada um dos outros Poderes para a mesma revisão aos respectivos servidores.
7.8. De tal sorte que, neste diapasão, no âmbito federal encontrar-se-ia a vigorar sistemática, segundo a qual, toda e qualquer disposição acerca do valor das remunerações no serviço público federal demanda que seja veiculada por lei específica de iniciativa privativa em cada caso, ou seja, de acordo com as reservas de iniciativa que fazem parte do desenho constitucional do princípio da separação, independência e harmonia dos Poderes.
Tanto assim, a ponto de, após o advento da liminar reportada, as Mesas das duas Casas Legislativas federais, bem como o Tribunal de Contas da União, terem cada qual deflagrado a iniciativa de projetos de leis visando dispor sobre a concessão de reajustamento remuneratório aos respectivos servidores, sendo que, na justificativa do Projeto de Lei iniciado no Senado (este, por sinal, a esta altura já aprovado nas duas Casas congressuais e pronto para ser enviado à sanção do Executivo), vem expressada a obrigatoriedade de ser procedida a revisão geral anual aos respectivos servidores. E sendo que, também, referidas proposituras revogam os respectivos efeitos do mencionado Ato Conjunto nº 01/2004, liminarmente suspenso pelo STF, conforme acima noticiado.
Oportuno ainda observar que, do quanto dado a conhecer pelas informações prestadas na ADIn nº 3.3.69-7 DF (tanto na exordial subscrita pelo Procurador-Geral da República, quanto ao menos nas informações do então Presidente de um dos Órgãos Colegiados requeridos, a Mesa da Câmara dos Deputados), o impugnado Ato Conjunto nº 01/04 buscava sua justificativa em que se tratava de estender “aos servidores do Poder Legislativo, do reajuste geral concedido pelo Poder Executivo aos seus servidores, com esteio no art. 37, X, da Constituição Federal, que contempla, como garantia dos servidores públicos, revisão geral de sua remuneração, a ser realizada sempre na mesma data e sem distinção de índices” (das informações do então Presidente da Mesa da Câmara dos Deputados, conforme reportado no voto do Ministro Relator da Med. Cautelar em ADIn nº 3.369-7 DF).
8. Tratar-se-ia, então, ao que se nos afigura – ou, ao menos, poderia vir a se firmar com tal configuração –, de fenômeno identificado com acuidade por Anna Cândida da Cunha Ferraz, em obra intitulada Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais (São Paulo, Max Limonad, 1ª ed., 1986), que equivale, no caso, a uma evolução do entendimento predominante acerca de determinada matéria constitucional, resultante de sucessivas tomadas de posição por parte de instituições com atuação relevante na determinação de conteúdos normativos vigorantes no sistema.
9. No que diz com o Município, queremos crer que, pelo princípio constitucional da simetria em tema de processo legislativo, conforme antes exposto, bem como por uma regra prática de cautela, parece recomendável que se deva seguir o modelo por último aventado, que observa a reserva de lei e a iniciativa privativa em cada caso, na esteira do que razoavelmente pode ser compreendido dos termos do citado recente acórdão do Supremo Tribunal Federal e das correspondentes e posteriores iniciativas legislativas na esfera federal, conforme logo acima apontado.
De modo que, a Constituição Federal estabelecendo como obrigatória a revisão geral anual, assegurada nos termos do art. 37, X da Constituição Federal, a conclusão é no sentido de que, por ora, seja ela procedida por via do oferecimento de projeto de lei de iniciativa da Mesa da Câmara Municipal, no que respeita a seus servidores, justificando-se a propositura ao fundamento de que a mesma revisão já tenha sido ou esteja sendo concedida pela via própria aos servidores do Executivo.
10. Se tal ora pode ser afirmado, relativamente ao veículo normativo e respectiva iniciativa legislativa, quanto à revisão geral anual, com mais razão também no tocante ao reajuste previsto no inciso II do art. 5º da Lei Municipal nº 13.448/02, que não possui natureza de revisão geral anual.
11. Com efeito, esta última foi promovida, no ano de 2004 e no âmbito deste Município (ou, agora melhor dizendo, no âmbito do Executivo Municipal, pois não consta informação de que já tenha sido paga aos servidores deste Legislativo), por meio da Lei nº 13.862, de 29/06/04, que dispôs o índice de 0,01% (um centésimo por cento), a partir de 01/05/2004, “em cumprimento ao disposto no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, e na forma prevista no art. 1º da Lei nº 13.303, de 18 de janeiro de 2002” (dispositivo, este, que trata de revisão geral anual).
11.1. É ainda de ser dito que a referida liminar na ADIn nº 3.369-7 DF foi proferida na sessão do E. STF do dia 16 de dezembro p.p., antevéspera do início do recesso judiciário, conforme consta no próprio voto do eminente Ministro Relator. Liminar esta que, como visto, trouxe novos elementos suscetíveis de serem considerados no exame da questão. Esta ACJ não tinha conhecimento deste julgado quando da elaboração do Parecer nº 08/05 (fls. 25 dos autos nº 1297/2004), pelo que, parece ser o caso de ser tido como prejudicado, como entendimento de órgão, o mencionado parecer.
12. Resumindo, em conclusão:
12.1. No presente momento, s.m.j., em matéria de reajustamento da remuneração dos servidores do Legislativo, seja na modalidade da revisão geral anual assegurada nos termos da parte final do inciso X do art. 37 da CF, seja na forma de reajuste sem essa característica de revisão geral anual, é de ser feito – por orientação de cautela, em face dos termos do acórdão proferido pelo E. STF em Medida Cautelar em ADIn nº 3.369-7 DF e pelas razões antes expostas – pela via do oferecimento de projeto de lei de iniciativa privativa da Mesa.
12.2. A revisão geral anual constitui imperativo constitucional, é ampla, periódica (anual), compulsória, igual e em dada ocasião (“sempre na mesma data”) para todos os servidores públicos (de forma paritária, portanto), traduzindo idéia de tentativa de recomposição (eventualmente parcial), podendo-se dizer que, vindo a se concretizar, trata-se de reajuste ou reposição geral.
12.3. Já o reajuste e o aumento de remuneração da remuneração dos servidores do Legislativo (conforme conceituados no item 7.5.1, retro), cuja iniciativa legislativa sujeita-se a juízo de conveniência e oportunidade, bem como a definição de índices de reajuste/aumento a serem propostos nos respectivos projetos de leis, ficam a critério da E. Mesa, órgão ao qual é conferida a iniciativa legislativa privativa nessas hipóteses de alteração de remuneração dos servidores do Legislativo.
12.4. Assim, no tocante ao reajuste, a critério da E. Mesa, o reajuste referido no art. 5º, inciso II da Lei Municipal nº 13.448/02 pode ser objeto de projeto de lei que deve guardar observância aos seguintes aspectos:
a) iniciativa privativa da Mesa;
b) autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (CF, art. 169, § 1º, II);
c) prévia dotação orçamentária suficiente (CF, art. 169, § 1º, I);
d) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes (Lei Complementar nº 101/2000 – LRF, art. 17, caput e § 1º, 1ª parte, e art. 16, I); bem como, demonstrar a origem dos recursos para seu custeio (LRF, art. 17, caput e § 1º, parte final; e ainda, observar no que cabível as medidas dispostas nos §§ 2º a 5º do art. 17 da LRF;
e) sujeição, em sendo o caso, à vedação decorrente da eventual ultrapassagem do limite disposto no art. 22, § único, inciso I, da LRF; e
f) sujeição, em sendo o caso, aos efeitos previstos no art. 24 da LRF.
12.5. No tocante à revisão geral anual, consoante o art. 37, inciso X da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, é ela determinada por força de mandamento constitucional, que a assegura a todos os servidores de cada esfera federativa, portanto também aos servidores do Legislativo Municipal, “sempre na mesma data e sem distinção de índices”, revisão essa a ser promovida, atualmente – à luz das considerações expostas, – por meio de lei cujo projeto deve guardar observância aos seguintes aspectos:
a) iniciativa privativa da Mesa;
b) autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (CF, art. 169, § 1º, II);
c) prévia dotação orçamentária suficiente (CF, art. 169, § 1º, I);
d) por força de expressa previsão do § 6º do art. 17 da LRF, os projetos de leis que visam a revisão geral anual não necessitam ser instruídos com as estimativas e providências dispostas nos §§ 1º a 5º do art. 17 da LRF;
e) também por força de previsão legal expressa, a revisão geral anual tampouco está sujeita à vedação decorrente de eventual ultrapassagem do limite disposto no § único, inciso I do art. 22 da LRF, a teor da ressalva feita ao final do referido inciso;
f) sujeição, em sendo o caso, aos efeitos previstos no art. 24 da LRF.
É o parecer, s.m.j., que elevo à apreciação de V. Sa.
São Paulo, 28 de março de 2005.
Sebastião Rocha
Assessor Técnico Legislativo (Juri)
OAB/SP nº 138.572
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