Parecer 104 / 2007

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Parecer n° 104/2007

Parecer nº 104/2007
Ref.: Processo nº 1107/2006
Interessado: CCI e Instituto Domingo Tellechea de Conservação XXX
Assunto: Contrato nº 45/2006 – Alteração contratual.

Sr. Procurador Legislativo Chefe,

O presente processo foi encaminhado a esta Procuradoria para análise e manifestação sobre a possibilidade de alterar-se o contrato epigrafado, em razão de circunstâncias supervenientes à celebração do instrumento contratual.

I – DOS FATOS

1) Aumento do valor originalmente pactuado decorrente de fatos supervenientes e imprevisíveis ao contratado na oportunidade da celebração do ajuste:

O Instituto XXX informou que durante a execução dos serviços constatou que algumas obras haviam sido submetidas a processos de restauro “não detectáveis em uma avaliação preliminar” os quais prejudicaram seriamente as obras; outras restaurações foram executadas com “técnicas empíricas e materiais de péssima qualidade” e tiveram que ser refeitas; que algumas molduras que à princípio não apresentavam problemas, revelaram-se enfraquecidas pelo ataque e cupins; outras, ao serem manipuladas durante o processo de restauro, apresentaram deterioração avançada, em razão de ataques anteriores de carunchos, fungos e cupins.

Conseqüentemente, essas circunstâncias imprevisíveis originalmente pelo contratado, aumentaram os custos dos serviços, de tal modo que o contratado requereu o acréscimo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao valor inicialmente contratado (fls. 331/333).

O requerimento foi instruído com fotografias de algumas obras para comprovar o alegado e o gestor informou que constatou os fatos suscitados pelo contratado durante o acompanhamento da execução dos serviços (fls. 344).

2) Suspensão da execução de alguns serviços até o recesso parlamentar. Reembolso ao contratado pela desmobilização e posterior remobilização do ateliê instalado no prédio da Edilidade:

De acordo com o CCI, dois painéis que se encontram no Salão Nobre Presidente João Brasil Vita e um painel situado no Auditório Prestes Maia não podem ser removidos e, portanto, aqueles locais deveriam interditados para possibilitar a execução dos serviços de restauro respectivos.

Todavia, ante a recente deliberação da Nobre Presidência para que o Auditório Tiradentes seja transferido do 9º para o 8º andar, os referidos recintos não poderão ser interditados sob pena de embaraçar o andamento das inúmeras atividades parlamentares desta Edilidade.

Nesse passo, o mencionado setor consultou o contratado sobre a possibilidade daquelas obras serem restauradas durante o recesso parlamentar do mês de julho (fls. 350/351) e à fl. 349, o contratado não vislumbrou, em princípio, obstáculo ao adiamento dos serviços mencionados, “desde que a nossa equipe não esteja comprometida com outro trabalho anteriormente programado” e caso a Edilidade suporte as despesas referentes ao transporte com a remoção e posterior retorno dos seus materiais e equipamentos que se encontram no ateliê ora instalado na Câmara, orçadas em R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais).

II – DA LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA PERTINENTES

Esboçaremos, a seguir, o cenário normativo, doutrinário e jurisprudencial sobre as questões ora colocadas.

Contrato administrativo, segundo Hely Lopes Meirelles, “é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração”.

No contrato administrativo, de um lado, figura a Administração, com o objetivo de atender às necessidades públicas e de outro, o particular contratado, com o fito de obter lucro, através da respectiva remuneração, na forma e no prazo avençados.

No contrato de trato sucessivo, as partes, ao comporem consensualmente seus interesses, decidem sobre situações cuja essência é protrair-se no tempo e de acordo com a legislação vigente, os custos inerentes à execução do objeto e o lucro que pretende obter, em cotejo com situações e interesses existentes à época da elaboração da proposta, o contratado estipula a remuneração que pretende auferir.
Após a celebração do instrumento contratual, o preço avençado se materializa como um direito intangível do particular contratado e a partir de então, seus encargos e a retribuição da Administração permanecerão atrelados como verso e reverso da mesma moeda.

Por conseguinte, a proporcionalidade entre encargo e retribuição deverá ser mantida e observada durante toda a vigência do ajuste e na hipótese dessa proporcionalidade vir a ser violada, o particular contratado tem pleno direito a seu restabelecimento. É o chamado equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

Com efeito. A participação do Poder Público no contrato administrativo confere um colorido especial ao ajuste, pois por força da inafastável busca do interesse público, a Administração age com supremacia de poder sobre o contratado, supremacia essa inexistente nos contratos firmados entre particulares, onde vigora o princípio da igualdade entre as partes.

Como corolário dessa supremacia de poder, o contrato administrativo é dotado de certas características e peculiaridades ou prerrogativas, chamadas de cláusulas exorbitantes, que “excedem do direito comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado” e o equilíbrio econômico-financeiro é uma dessas particularidades. Vale dizer, a quantia em pecúnia dos encargos assumidos pelo contratado deve corresponder exatamente às vantagens auferidas pela Administração contratante.

O direito do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo encontra abrigo no art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, segundo o qual o processo de licitação pública deverá assegurar a igualdade de condições entre todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, “mantidas as condições efetivas da proposta”. Vale dizer, caso a Administração veja-se obrigada a modificar o contrato, para melhor atender o interesse público, não poderá ignorar a proporção originalmente mantida entre encargos e remuneração.

A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos tem fundamento nos seguintes princípios:

a) da obtenção da proposta mais vantajosa e da economicidade, pois se os particulares tivessem que suportar os ônus de todos eventos danosos que eventualmente comprometessem o regular cumprimento do contrato administrativo, teriam de formular propostas mais onerosas e a Administração arcaria com os custos relativos a eventos efetivos ou meramente potenciais;

b) da moralidade administrativa, uma vez que a Administração não poderia auferir vantagens ilegítimas de um negócio em detrimento da outra parte, nem aproveitar-se de situações legais ou fáticas que a favoreçam em prejuízo do particular contratante;

c) da integralidade da remuneração do contratado, o qual não pode sofrer indevida diminuição dos lucros regulares que pretendeu obter quando aceitou contratar com a Administração;

d) da boa fé, vez que se fosse dado à Administração desprezar os interesses econômicos do particular contratado ou não encontraria interessados em contratar com ela, ou contrataria com pessoas inidôneas ou cujas propostas seriam inexeqüíveis, o que feriria frontalmente o interesse público; e,

e) da segurança jurídica, o qual impede que as condições sopesadas no momento da celebração do ajuste sejam ignoradas durante sua execução, em decorrência de legislação superveniente.

Desta feita, ampliados os encargos do contratado, a respectiva remuneração deverá ser igualmente ampliada. Conseqüentemente, qualquer modificação destas circunstâncias iniciais autoriza a alteração do contrato para o fim de garantir a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro.

O restabelecimento do equilíbrio contratual decorre da teoria da imprevisão, a qual, segundo Hely Lopes Meirelles , “consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes”.

Dada a sua natureza, a revisão do contrato administrativo através da aplicação da teoria da imprevisão é um direito do particular contratante e um dever da Administração Pública.

Entretanto, não é qualquer fato superveniente que autoriza a alteração do inicialmente acordado, pois todo contrato envolve um certo risco. Os riscos normais e regulares da contratação, devem ser suportados pelo contratado. Somente os riscos oriundos de eventos anormais, imprevisíveis ou previsíveis mas cujas conseqüências sejam incalculáveis, independentes da vontade dos contratantes, que, desequilibrando totalmente a equação financeira estabelecida pelas partes, impeçam a regular execução do contrato administrativo ensejam a aplicação da teoria da imprevisão.

Assim, a Lei Federal nº 8.666/93, em seu artigo 65, inciso II, alínea “d”, prescreve que os contratos administrativos poderão ser alterados “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.

De acordo com José Cretella Júnior , “a Administração tem o poder-dever de tomar providências imediatas para, por aditamento, restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, sempre que ocorrer alteração, que aumente os encargos do interessado licitante”. Marçal Justen Filho segue na mesma trilha, asseverando que “Existe direito do contratado de exigir o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato se e quando vier a ser rompido”, de tal modo que o particular contratado não suporte os encargos mais onerosos e receba a remuneração inicialmente prevista. Aquele autor sugere que se compare “a situação originária (à época da apresentação das propostas) e a posterior. Verificar-se-á se a relação original entre encargos e remuneração foi afetada. Em caso positivo, deverá alterar-se a remuneração do contratado proporcionalmente à modificação dos encargos”. Constatada a cisão do equilíbrio econômico-financeiro, “o particular deve provocar a Administração para adoção das providências adequadas” e em qualquer momento, durante “o curso da execução do contrato, o contratante pode pleitear a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro”.
O Tribunal de Contas da União já se manifestou acerca dessa questão:

“EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO – CONTRATO – TEORIA DA IMPREVISÃO – ALTERAÇÃO CONTRATUAL. A ocorrência de variáveis que tornam excessivamente onerosos os encargos do contratado, quando claramente demonstradas, autorizam a alteração do contrato, visando ao restabelecimento inicial do equilíbrio-financeiro, com fundamento na teoria da imprevisão, acolhida pelo Dec.-lei nº 2.300/86 e pela atual Lei nº 8.666/93.” (TC – 500.125/92-9 – D.O.U. de 4.9.95 – apud BDA dezembro/96-834).

A Colenda Corte de Contas deste Município perfilhou o mesmo caminho:

“Rompida a relação entre os encargos da contratada e a remuneração que lhe é devida, por mandamento constitucional, cabia a recomposição da equação e, em conseqüência, o devido pagamento das diferenças apuradas”.

Todavia, o referido Tribunal de Contas Paulistano advertiu que a Administração “examine rigorosa e criteriosamente, eventual pedido de revisão de preços pela contratada, sob a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, evitando, assim a elevação inadequada pela via da revisão”.

III – DAS CONCLUSÕES

Diante das informações e documentos constantes dos autos, infere-se que o contratado não deu causa as alterações contratuais ora em apreço, motivo pelo qual somos levados a concluir o seguinte:

A) No que diz respeito ao aumento do valor pactuado requerido pelo contratado:

Restou demonstrada a ocorrência de fatos supervenientes e imprevisíveis que demandaram a realização de serviços extraordinários, os quais aumentaram os custos originalmente previstos pelo Instituto.

Desse modo, o acréscimo no valor contratual pleiteado pelo contratado encontra-se agasalhado pelo princípio do equilíbrio econômico e financeiro do contrato estampado no artigo 37, XXI da Constituição Federal e no artigo 65, II, “d” da Lei Federal nº 8.666/93.

B) Quanto à suspensão da execução de alguns serviços até o recesso parlamentar e respectivo reembolso ao contratado pela desmobilização e posterior remobilização do ateliê instalado no prédio da Edilidade:

De acordo com as cláusulas quarta e sétima do contrato nº 45/2006, ambas alteradas pelo 1º termo de aditamento, o prazo de execução dos serviços foi estipulado em 150 dias a contar da ordem de início emitida pela fiscalização que, consoante a cópia do documento que tomamos a iniciativa de anexar ao presente, ocorreu em 09/11/2006 (fl. 327) e o pagamento dos serviços seria efetuado em parcelas sucessivas, após a prévia aprovação da fiscalização. Entretanto, em virtude de fatos superveniente, o Salão Nobre Presidente João Brasil Vita e o Auditório Prestes Maia somente poderão ser interditados para que o contratado realize o serviços de restauração das obras que lá se encontram no mês de julho, na ocasião do recesso parlamentar.

A Lei Federal de Licitações prescreve que o prazo de execução dos serviços pode ser prorrogado na hipótese de “interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração” (art. 57, § 1º, III).

De um lado, é do interesse da Administração que a execução dos serviços seja suspensa para que o andamento das atividades legislativas não restem prejudicadas. De outro lado, essa alteração, alheia à vontade do contratado, contraria diametralmente a forma de execução e o prazo de pagamento avençado pelas partes.

Logo, assiste razão ao Instituto alegar que retomará os serviços caso nesse interregno não esteja comprometido com outro trabalho, uma vez que a supremacia do interesse público não é absoluta, na medida em que o artigo 78, XIV da referida Lei de Licitações prescreve que a suspensão do contrato, por determinação da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias pode ensejar a rescisão do ajuste.

Por fim, no que diz respeito ao reembolso das despesas decorrentes da desmobilização e remobilização do ateliê do contratado, é o dispositivo legal acima referido que impõe à Administração sucumbir com os ônus decorrentes da suspensão dos serviços, quando essa alteração contratual provocada pelo ente contratante.

São Paulo, 03 de abril de 2007.

MARIA HELENA PESSOA PIMENTEL
Procuradora Legislativa
OAB/SP 106650