Parecer 102/2014
Memo SGA 8 nº 27/14
TID XXXXXXXXX
Interessado: Secretário de SGA 8
Assunto: exames médicos – prontuário de servidor na SGA 8 – retirada por familiar munido de termo de consentimento – dúvidas éticas e legais
Sr. Procurador Legislativo Chefe:
Trata-se de solicitação de parecer vinda do Secretário da SGA 8 sobre “dúvidas éticas e legais surgidas entre colegas médicos…”
Como já dito recentemente por mim mesmo no expediente TID XXXX enviado para análise, afastamos, para emitir o parecer, a impossibilidade que se antepõe a uma consulta formal, sem aval da Egrégia Mesa, pois entre os legitimados a solicitar manifestação da Procuradoria, na Lei 14.259/2007, a qual dispõe sobre a estrutura e atribuições da Procuradoria da Câmara Municipal de São Paulo, não consta o Secretário da SGA 8. Essa preliminar também se ajusta ao caso presente, no sentido de ressalvar que não pode a Procuradoria ser demandada fora dos casos que a lei prevê expressamente.
Com base nessas considerações, recomendo que o expediente seja enviado à Secretaria Geral Administrativa com a manifestação da Procuradoria para conhecimento e decisão sobre o prosseguimento ou encerramento da consulta nestes moldes, e só depois disso ao consulente.
Com essa advertência, encaminhamos um apanhado da pesquisa feita sob o tema sob o prisma estritamente jurídico.
As considerações que seguem são apenas uma coleção de normas disponíveis ao público, sem a pretensão da autoridade que teriam as mesmas recomendações se emanadas dos órgãos da classe médica.
Feita essa ressalva, passo a responder ao questionamento.
O Secretário indaga:
1 – No que diz respeito a fornecer resultados de exames médicos diagnósticos a familiares que se intitulam (sic) ‘procuradores’ ou representantes… se o ‘termo de consentimento’ para retirada de os exames do paciente por um familiar pode ser aceito.”
2 – Quais as hipóteses em que o prontuário, ou parte dele, pode ser fornecido a terceiro e quais as formalidades necessárias.
I – Na CMSP o prontuário médico de cada servidor é responsabilidade da SGA 8:
ATO Nº 1134/2011
Dispõe sobre o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional dos Servidores da Câmara Municipal de São Paulo
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Art. 7º Os dados obtidos em exames médicos, incluindo avaliação clínica e exames complementares, as conclusões e as medidas aplicadas deverão ser registrados em prontuário clínico individual, que ficará sob a responsabilidade do médico coordenador do PCMSO.
II – O Código de Ética Médica – Resolução nº 1931/2009, ao tratar do sigilo profissional no Capítulo IX dispõe o seguinte:
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito. (nova redação – Resolução CFM nº 1997/2012)
(Redação anterior: Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal.)
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial. (grifei)
III – Vista a questão por outro lado, entretanto, consulta endereçada ao Conselho Regional de Medicina do Paraná, o CRM/PR, foi respondida por meio do seguinte parecer:
PARECER N.º 1425/2002 – AJ
CONSULTA N.º 0164.2001 – PROTOCOLO N.º 10184/01
ASSUNTO: SIGILO MÉDICO – ENVIO DE INFORMAÇÕES A PROCURADORIA DO TRABALHO
PARECERISTA: CONS. MÁRIO STIVAL
O Dr. L. E. S. F., em carta encaminhada a este Conselho, relata que intimado a fornecer cópias dos exames audiométricos de pacientes seus pela procuradoria do Ministério Público do Trabalho, a Procuradora em despacho nº 726/01 exarado no PI 067/01, cita o item 2º do Artigo 8º da lei complementar nº 75/93 com a seguinte redação:
“Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.”.
Lembra a Procuradora V. D. W. no mesmo despacho, que o Ministério Público do Trabalho utiliza a tabela Davis & Silvermann (que é a utilizada pela Previdência Social) para a caracterização da deficiência auditiva, tabela esta que não foi utilizada pelo consulente durante a realização dos exames ocupacionais em exames que o mesmo realiza para as empresas para as quais presta serviço, razão pela qual (segundo o consulente), requisita as cópias das audiometrias que se encontram arquivadas no Prontuário Clínico Individual dos examinados.
Neste sentido, “considerando ser o médico do trabalho o responsável pela guarda e manutenção dos prontuários médicos de pacientes vinculados às empresas por ele atendidas”, o consulente faz as seguintes questões a este Conselho:
1) É lícito o envio de cópias de exames complementares de funcionários solicitados extrajudicialmente por profissional não médico, ainda que em cumprimento de legislação vigente?
RESPOSTA: A informação sobre a condição do paciente decorrente do seu atendimento por profissional médico só pode ser divulgada ou por autorização expressa do paciente, ou por “justa causa” ou “dever legal” (vide anexo ao parecer).
Este parecer está na internet no endereço: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/crmpr/pareceres/2002/1425_2002.htm
IIII – Mais recentemente, o Conselho Federal de Medicina colocou no seu sítio na internet a seguinte recomendação, que me parece relativa ao problema proposto, seguida da sua fundamentação:
RECOMENDAÇÃO CFM Nº 3/14 (cópia em anexo ao parecer)
EMENTA: Recomendar aos profissionais médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar no sentido de: a) fornecerem, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária; b) informarem aos pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e pelo Decreto n.º 6821, de 14 de abril de 2009, e
CONSIDERANDO a tutela antecipada concedida nos autos do processo Ação Civil Pública n.º nº 26798-86.2012.4.01.3500, movida pelo MPF, em trâmite na 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás;
CONSIDERANDO que a decisão acima citada está sendo atacada por intermédio do recurso Agravo de Instrumento nº 0015632-13.2014.4.01.0000, em trâmite no TRF 1ª Região;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido pelo plenário em sessão realizada em 28 de março de 2014,
RECOMENDA-SE:
Art. 1º – Que os médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar: a) forneçam, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido, desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária, e b) informem os pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte.
Art. 2º – Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília/DF, 28 de março de 2014
XXXXXXXXXXXXXXXXXX
Presidente Secretário-geral
FUNDAMENTAÇÃO DA RECOMENDAÇÃO CFM Nº 3/14
O CFM editou o Parecer Consulta CFM n.º 6/2010 e a Nota Técnica n.º 2/2012 do Setor Jurídico.
Todavia, tais manifestações/orientações estão sendo objeto de discussão judicial, que acarretou a concessão parcial de tutela antecipada nos seguintes moldes, verbis
“Posto isso, defiro em parte medida antecipatória, para determinar ao Conselho Federal de Medicina que, no prazo de 10 (dez) dias, adote as devidas providências de orientação aos profissionais médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar no sentido de: a) fornecerem, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que-documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária; b) informarem aos pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte.
Fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a multa diária para o caso de descumprimento da presente medida, sem prejuízo das sanções penais e administrativas aplicáveis ao presidente da entidade em caso de descumprimento, inclusive no que tange à configuração de ato de improbidade administrativa.”
O Conselho Federal de Medicina defende a ideia de que o sigilo médico deve ser respeitado e, que o fornecimento dos documentos em questão devem ocorrer da forma preconizada nas manifestações acima, em observância ao Código de Ética Médica e à Resolução CFM n.º 1605/2000.
Todavia, visando dar imediato cumprimento à aludida decisão judicial o Conselho Federal de Medicina expedirá recomendação para esclarecer os médicos e as instituições hospitalares acerca dos pontos acima suscitados.
O CFM esclarece, ainda, que está buscando a reforma da decisão liminar em questão junto ao egrégio TRF 1ª Região (Agravo de Instrumento nº 0015632-13.2014.4.01.0000).
ROBERTO LUIZ D’AVILA
Presidente
A liminar concedida nos autos do processo Ação Civil Pública n.º nº 26798-86.2012.4.01.3500, movida pelo MPF continua em vigor na data de 23/05/2014, eis que o Agravo de Instrumento nº 0015632-13.2014.4.01.0000, em trâmite no TRF 1ª Região, ainda não foi julgado, conforme extrato em anexo. Daí que assim também a RECOMENDAÇÃO CFM Nº 3/14.
Em resumo:
1 – A SGA 8 pode fornecer os exames realizados em servidor ou dependente, aquando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido, desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária deles, tal como recomendado na RECOMENDAÇÃO CFM Nº 3/14, e desde que não haja suspeita de falsificação ou falsificação grosseira do “termo de consentimento” assinado pelo paciente dos exames.
2 – O prontuário do servidor tem as informações do servidor e este tem sempre amplo acesso a ele para consulta ou cópias na defesa de seus direitos e interesses próprios, por si ou por procurador constituído; mas é propriedade pública e não deve ser entregue a ninguém em nenhuma hipótese, salvo ordem judicial nesse sentido.
A única formalidade necessária é verificar a autenticidade da procuração concedida. Se houver dúvidas ou indício de falsificação grosseira sobre essa autorização de retirada entrar em contato com próprio servidor. Em qualquer caso, obter recibo do portador da autorização com sua assinatura e algum documento pessoal, como CPF ou RG.
O tema é delicado e exige tratamento cuidadoso. Além do mais, neste caso, sinto-me pouco à vontade para emitir parecer nesse tema, visto que se trata de examinar conduta profissional da profissão médica. Parece-me que a consulta deva ser encaminhada ao Conselho Federal de Medicina ou ao Conselho Regional de Medicina, pois, ainda que se possam consultar na internet a legislação referente ao assunto, somente o órgão de classe correspondente está em posição de responder formalmente qual a conduta que deve ser observada pelo profissional neste ou naquele caso, a fim de obedecer e satisfazer a boa ética médica. Recomendo, por esses motivos, a consulta ao CRM/SP.
Com as ressalvas acima apontadas, esta é a minha manifestação, que submeto à apreciação de V.Sa.
São Paulo, 6 de junho de 2014.
Manoel José Anido Filho
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 83.768