Parecer SCL nº 194/2022
TID 17591064 – PA 385/2018
Assunto: Retenção de pagamento
Ementa: Termo de Contrato nº 21/2016. xxxxxxxx. Análises clínicas e citopatologia. Vigência expirada em 14/11/2019. CND vencida desde 26/06/2019. Pendência de Fornecedores a Regularizar – conta contábil extraorçamentária. Manutenção da retenção. Impossibilidade. Serviços prestados. Necessidade de revisão de ato administrativo.
Sr. Procurador Legislativo Supervisor Substituto,
O Sr. Secretário Geral Administrativo encaminha o presente expediente para análise e manifestação quanto à manutenção ou não da retenção do valor do pagamento pendente à empresa xxxxxxxx, em razão de situação irregular perante o fisco federal em 2019 e, atualmente, também perante o fisco municipal.
Trata-se do Termo de Contrato nº 21/2016, celebrado com a empresa xxxxxxxxx, que tinha como objeto a prestação de serviços de análises clínicas e Citopatologia.
A certidão de débitos relativos a créditos tributários federais e à dívida ativa da União encontra-se vencida desde 26/06/2019, o que ensejou a retenção do pagamento até a devida regularização da pendência (despacho SGA às fls. 628 do PA 385/2018), em atenção ao Parecer SCL nº 140/2019 da Procuradoria (cópia às fls. 616 e verso do PA 385/2019).
A empresa afirmou estar ciente da pendência, porém sem previsão de regularização (fls. 610/611 do PA 385/2019).
Consta ateste do Gestor quanto à prestação dos serviços em conformidade com as cláusulas contratuais (fls. 632 e 635 do PA 385/2018).
Consultada a regularidade fiscal da empresa em 30/08/2022, constatou-se a manutenção da pendência perante o fisco federal (fls. 642 do PA 385/2018), além da irregularidade perante o fisco municipal (fls. 643 e 644 do PA 385/2018).
Considerando o tempo decorrido do débito de quase 03 (três) anos sem que houvesse qualquer manifestação/cobrança por parte da empresa, e que as certidões permanecem irregulares, SGA encaminha o presente expediente para análise e manifestação desta Procuradoria quanto à manutenção ou não da retenção do valor do pagamento pendente.
É o relatório. Passamos à análise jurídica.
Repetimos o quanto exposto no Parecer SCL nº 180/2022 que trata de caso assemelhado (segue cópia anexa).
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento assente no sentido de que, apesar de ser exigível a certidão de regularidade fiscal para a contratação com a Administração Pública, não é possível a retenção do pagamento de serviços efetivamente prestados. Citamos o acórdão exarado no Agravo de Instrumento no Recurso Especial nº 1.742.457 – CE, julgamento em 23/05/2019, publicado no DJe em 07/06/2019:
EMENTA
AGRAVO INTERNO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE. CONTRATAÇÃO COM A MUNICIPALIDADE. SERVIÇOS JÁ REALIZADOS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
I – Na origem, a Associação Beneficente Cearense de Reabilitação – ABCR impetrou mandado de segurança contra ato do Secretario de Saúde do Município de Fortaleza, pretendendo receber o repasse financeiro relativo a serviços por ela prestados, decorrente de contrato entabulado entre as partes, sem a necessidade de apresentação de certidão negativa expedida pela Fazenda Pública Nacional.
II – O Tribunal a quo manteve a decisão concessiva da ordem.
III – Ao recurso especial interposto pela municipalidade foi negado provimento, com base na Súmula 568/STJ, em razão da jurisprudência da Corte encontrar-se pacificada no mesmo sentido da decisão recorrida: apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência. Precedentes: REsp n. 1.173.735/RN, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 9/5/2014, RMS n. 53.467/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/06/2017, dentre outros.
IV – Os argumentos trazidos pelo agravante não são suficientes para alterar o entendimento prestigiado pela decisão atacada.
V – Agravo interno improvido.
(Grifos nossos)
O Tribunal de Contas da União segue o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Transcrevemos excerto do Acórdão nº 964/2012, Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, data da sessão 25/04/2012:
“Sumário: CONSULTA. EXECUÇÃO CONTRATUAL. PAGAMENTO A FORNECEDORES EM DÉBITO COM O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL QUE CONSTEM DO SISTEMA DE CADASTRAMENTO UNIFICADO DE FORNECEDORES. CONHECIMENTO. RESPOSTA À CONSULTA. 1. Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a Administração deve exigir a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, segundo o qual “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”. 2. Nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, deve constar cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento dessa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93). 3. Verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.”
(Grifos nossos)
No mesmo sentido: Acórdão nº 2079/2014 – Plenário, Relator Min. Augusto Sherman, data da sessão 06/08/2014.
De acordo com o princípio da vedação de enriquecimento ilícito, se os serviços foram prestados, a Administração deve pagar os valores devidos. Celso Antônio Bandeira de Mello in Boletim de Licitação e Contratos Administrativos. São Paulo: NDJ, abril de 1998, p. 193 ensina:
“Enriquecimento sem causa é o incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que, para supeditar tal evento, exista uma causa juridicamente idônea. É perfeitamente assente que sua proscrição constitui-se em um princípio geral de direito.”
O Tribunal de Justiça de São Paulo segue o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Citamos como exemplo a Remessa Necessária n.º 1000388-59.2021.8.26.0159, Relator Des. Renato Delbianco, julgada em 29/09/2022:
“REMESSA NECESSÁRIA Mandado de Segurança Contrato administrativo Retenção de pagamento pelos serviços prestados em função da não apresentação de certidão negativa de débito (CND) Impossibilidade Medida que não encontra amparo legal, além de implicar em enriquecimento ilícito do Poder Público Obrigação de manutenção das condições de habilitação e qualificação durante a execução do contrato (art. 55, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93) que não autoriza a retenção do pagamento pela Administração Pública. Direito líquido e certo configurado Ordem concedida Decisão bem fundamentada Reexame necessário desprovido.”
(Grifos nossos)
Esta Procuradoria possui precedentes no mesmo sentido, a exemplo dos Pareceres nº 252/2003, 334/2017 e 449/2017.
Diante do exposto, data venia, faz-se necessário rever o posicionamento exarado no Parecer nº 140/2016 retro.
Quando ocorre de a contratada deixar de preencher uma das condições de habilitação e qualificação durante a execução do contrato, o que inclui a regularidade fiscal, a Administração deve tomar as providências tendentes à rescisão. No caso do TC nº 21/2016, dada a proximidade do término da vigência, esta expirou, sem prorrogação do ajuste.
Na esteira dos entendimentos jurisprudenciais acima citados, a obrigação de manter as condições de habilitação e qualificação durante a execução do contrato não autoriza a retenção do pagamento pela Administração pelos serviços efetivamente prestados, sob pena de incidir em enriquecimento ilícito. Observe-se que a Unidade Gestora do Termo de Contrato nº 21/2019 atestou que os serviços foram prestados.
As Súmulas nº 346 e nº 473 do Supremo Tribunal Federal reforçam o princípio da autotutela administrativa, segundo o qual a Administração pode agir e rever os seus atos de ofício.
Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”.
Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
A Lei Municipal nº 14.141/06, que dispõe sobre o processo administrativo na Administração Pública Municipal, possui disposição semelhante introduzida pela Lei Municipal nº 14.614/07:
“Art. 48-A. A Administração, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, anulará seus próprios atos, quando eivados de vício que os tornem ilegais, salvo se:
I – ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contados de sua produção;
II – da irregularidade não resultar qualquer prejuízo;
III – forem passíveis de convalidação.”
Desta feita, recomenda-se que a autoridade superior competente revogue o ato administrativo que ensejou a retenção do pagamento, qual seja, o despacho de SGA (fls. 628), exarando-se outra decisão no sentido de autorizar o pagamento.
Insta ressaltar que, após a nova decisão administrativa, considerando o tempo decorrido, é importante que antes de efetuar o pagamento, as unidades competentes atualizem os dados bancários para depósito, mediante contato com a empresa, de tudo certificando-se nos autos.
É o Parecer, que submeto à apreciação de V. Sa.
São Paulo, 18 de outubro de 2022.
CONCEIÇÃO FARIA DA SILVA
Procuradora Legislativa
Setor de Contratos e Licitações
OAB/SP n° 209.170