Memorando SGA nº 96/2018
Parecer 430/2018
TID 18018971
Interessado: Ilmo. Secretário Geral Administrativo
Assunto: Denúncia de assédio formulada por estagiária desta Casa em face de empregado de empresa fornecedora de mão de obra contratada pela Edilidade.
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora
Trata-se de memorando encaminhado pelo Ilmo. Secretário Geral Administrativo, no qual relata possuir conhecimento acerca de denúncia encaminhada por SGA-14.
A denúncia em questão, conforme se depreende do mencionado memorando, diz respeito à suposta conduta ilícita praticada por empregado de uma empresa fornecedora de mão de obra contratada por esta Edilidade, sendo a suposta vítima uma estagiária da Casa.
Informa o Ilmo. Secretário Geral Administrativo, ademais, que caso se tratasse de servidor desta Casa, seria instaurado procedimento de sindicância para a apuração dos fatos.
É o breve Relatório.
O Ilmo Secretário Geral Administrativo informou, no supramencionado memorando, que a unidade administrativa recebedora da denúncia, SGA-14, é a responsável por centralizar e receber as denúncias de que trata a Lei nº 16.488/2016.
A lei em questão, anexa ao expediente, “Dispõe sobre a prevenção e o combate ao assédio sexual na Administração Pública Municipal Direta, Autárquica e Fundacional”. Assim, nada obstante não exista descrição do conteúdo da denúncia a acompanhar a presente consulta, deve-se atribuir grande atenção ao tema que pode conter questões bastante sensíveis para as pessoas envolvidas.
Em que pese a gravidade dos fatos narrados, para que a Câmara Municipal de São Paulo possa tomar alguma providência na esfera disciplinar, é preciso que se verifique, primeiramente, se o alegado ofensor está sujeito ao poder disciplinar da Administração.
Com efeito, o regime disciplinar é composto por um sistema de regras e princípios que permite à Administração Pública apurar a responsabilidade dos servidores a ela vinculados por liame de natureza estatutária ou celetista.
Consoante preceitua Hely Lopes Meireles: “Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado quando este der ensejo, ou, se lhe faltar competência para a aplicação da pena devida, fica na obrigação de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente” (MEIRELLES, 1998, p. 110).
No mesmo sentido são as lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, observe-se: “Por outras palavras, quando a administração constata que um servidor público, ou um particular que com ela possua vinculação jurídica específica, praticou uma infração administrativa, ela é obrigada a puni-lo; não há discricionariedade quanto a punir ou não alguém que comprovadamente tenha praticado uma infração disciplinar.” (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 224).
Similar é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, cujas lições seguem transcritas: “A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível”. (DI PIETRO, 2012, p. 95).
No âmbito da Municipalidade, destaca-se o artigo 201 da lei nº 8.989/1979, que positivou o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo. O mencionado dispositivo ostenta a seguinte redação:
Art. 201 – A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a tomar providências objetivando a apuração dos fatos e responsabilidades.
Assim, à vista do exposto, é possível emitir, ao menos, duas conclusões acerca da aplicabilidade do poder disciplinar: (i) destina-se a sancionar servidores com vínculo direto com a Administração, evitando, assim que se desviem das atividades atreladas à consecução do interesse público; e (ii) trata-se de um poder-dever cujo exercício deve ocorrer, de forma imperativa, nas hipóteses legalmente previstas.
No caso concreto, nos termos da informação encaminhada pelo Ilmo. Secretário Geral Administrativo, o trabalhador que supostamente cometeu o ato ilícito não possui vínculo de natureza estatutária ou celetista com a Administração Pública, tratando-se de empregado de empresa prestadora de serviços.
A contingência de os fatos denunciados eventualmente terem ocorrido nas dependências desta Edilidade não desloca o poder disciplinar do empregador para o tomador de serviços.
À vista do exposto, impõe-se a conclusão de que, no caso concreto, não é cabível, por parte da Câmara Municipal de São Paulo, a instauração de nenhum procedimento voltado à imposição de punição disciplinar ao empregado da empresa prestadora de serviços.
Nada obstante, tendo à vista a gravidade dos fatos, mostra-se razoável a adoção de procedimento voltado ao esclarecimento dos fatos, até para que se possa preservar os direitos da pessoa ligada à Edilidade pelo vínculo jurídico materializado no contrato de estágio.
De se ressaltar, ademais, que a lei nº 16.488/2016, em seu artigo 12, prevê a adoção de medida preventiva voltada à proteção da vítima de assédio. Note-se:
“Art. 12. No curso do processo administrativo disciplinar, o agente público acusado poderá ser suspenso preventivamente, conforme previsto no art. 199 da Lei nº 8.989, de 1979, ou temporariamente transferido caso sua presença no mesmo local de trabalho da vítima represente ameaça ou desconforto e a mudança não acarrete prejuízos à Administração.
Parágrafo único. Se não for possível adotar uma das medidas previstas no “caput” deste artigo, por evidente e irreparável prejuízo ao interesse público devidamente justificado, será assegurada à vítima a possibilidade de transferência para outro local de trabalho enquanto durar o processo, desde que a seu pedido.”. (sem grifos no original)
A interpretação teleológica do dispositivo legal (art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) permite concluir que os fins sociais da norma não residem no poder disciplinar da Administração, mas sim na proteção da vítima de assédio, que deve ter preservado o seu direito de exercer regularmente as suas funções sem ser sistematicamente constrangida ou importunada.
Isto posto, insta concluir que não é facultado à Câmara Municipal de São Paulo impor penalidade ao suposto perpetrador de condutas ilícitas, uma vez que sobre ele não exerce poder disciplinar. Nada obstante, a Administração não está impedida de adotar procedimentos voltados à apuração do caso, sendo certa, ademais, a possibilidade de adoção de medidas preventivas com o escopo de resguardar os direitos da potencial vítima.
Sobre este último aspecto, não é demais lembrar que, nos termos do artigo 932, III do Código Civil Brasileiro, o empregador responde objetivamente por danos causados por seus empregados no exercício do trabalho ou em razão dele. Observe-se:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Tudo sem prejuízo de eventuais implicações contratuais que poderão ser melhor analisadas após a identificação do prestador de serviços e da empresa contratada pela Câmara Municipal de São Paulo à qual se vincula.
Assim, em eventual tentativa de responsabilização da Câmara Municipal, é certo que a empresa contratada deverá ser acionada para responder pelos eventuais danos. Tudo, reitere-se, sem prejuízo de eventuais consequências na esfera contratual.
É a minha manifestação.
São Paulo, 05 de dezembro de 2018
RICARDO TEIXEIRA DA SILVA
PROCURADOR LEGISLATIVO
OAB/SP 248.621