Obras de arte

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Parede de mármore no Auditório Freitas Nobre

No pátio externo do Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal, há uma parede de mármore com 10,97 metros de largura e 7,32 metros de altura. Nela está gravada uma inscrição, a primeira do prédio, para registrar a inauguração oficial da nova sede em 7 de setembro de 1969. Em 1992, o espaço do térreo passou a ser chamado de Auditório Freitas Nobre, em homenagem ao vereador, vice-prefeito, deputado federal e jornalista morto em 1990.

Desde 1969, a inscrição vem provocando polêmicas. No dia da inauguração, parte dos convidados se incomodou ao reparar que, na lista de nomes na parede, faltavam os dos ex-prefeitos José Vicente de Faria Lima (1909-1969) e Francisco Prestes Maia (1896-1965), que haviam participado da construção do prédio. “Alguns chocados, outros indignados e a maioria perplexa”, noticiou o jornal O Estado de S. Paulo. Tempos depois, os dois nomes foram acrescentados à homenagem.

O texto da parede exalta a participação dos bandeirantes na história da cidade. Alguns desses desbravadores chegaram a ser vereadores em São Paulo, como Raposo Tavares e Fernão Dias.

Mas, nos últimos anos, a placa passou a ser criticada por causa do trecho “Cresceu, expandiu-se e mercê dos aventurosos bandeirantes à busca do ouro, índios e diamantes, dilatou as fronteiras da pátria”, percebido como racista. Em 2002, um projeto de resolução (PR 12/2002) propôs a retirada de todo o texto da parede, afirmando que “a Câmara Municipal de São Paulo não deveria enaltecer a ação dos bandeirantes que saiam à busca dos povos indígenas com o intuito de escravizá-los, tratando-os como mercadoria”. A proposta não foi aprovada.

Historiadores modernos do período colonial, como John Manuel Monteiro, apontam que “ao invés de contribuírem diretamente para a ocupação do interior pelos colonizadores”, as incursões dos bandeirantes “concorreram antes para a devastação de inúmeros povos nativos” e significaram uma ação “tragicamente despovoadora”.

Segundo o pesquisador Danilo J. Zioni Ferretti, a visão heroica dos bandeirantes foi uma construção realizada por historiadores paulistas, principalmente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, a partir dos anos 1920. Eles buscavam modificar a imagem do bandeirante, visto até então pela história oficial da Corte, no Rio de Janeiro, como “um famigerado caçador de índios, síntese dos piores vícios do colonizador”. Desse modo, a elite de São Paulo buscava usar o mito do bandeirantismo desbravador para provar que os paulistas faziam parte de uma raça superior, apta a impor aos demais brasileiros, “apáticos e dependentes do governo”, o seu projeto de país, uma versão de democracia sem participação das massas, “americanista, liberal, excludente e autoritária”.

O livro Acervo artístico da Câmara Municipal de São Paulo aponta que o mesmo ponto de vista colonialista e racista pode ser observado em outras obras de arte do Palácio Anchieta, como Instituição da Câmara Municipal de São Paulo, pintado em 1915 por Antônio Parreiras.


Confira a imagem inteira

 

Referências

CÂMARA só esquece quem a construiu. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 20, 9 set. 1969.

FERRETTI, Danilo J. Zioni. O uso político do passado bandeirante: o debate entre Oliveira Vianna e Alfredo Ellis Jr. (1920-1926). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 41, p. 77-97, jun. 2008. DOI: 10.1590/S0103-21862008000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/eh/a/TKWCC34VqQCDDJsXQVS4XTg.

GARCIA, Rodrigo. Eles desbravavam o sertão e faziam leis. Revista Apartes, São Paulo, 10 jun 2019. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes/bandeirantes-eles-desbravavam-o-sertao-e-faziam-leis.

GARCIA, Rodrigo. Nobre até no nome. Revista Apartes, São Paulo, 1° abr. 2022. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes/nobre-ate-no-nome.

MOLINO, Denis Donizeti Bruza (org.). Acervo artístico da Câmara Municipal de São Paulo. Centro de Memória da Câmara Municipal de São Paulo e Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. São Paulo, 2016. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/memoria/especial/acervo-artistico-da-camara-municipal-de-sao-paulo.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

SALVADORI, Fausto. Um problema monumental. Revista Apartes, São Paulo, 13 dez. 2021. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes/um-problema-monumental.