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50 anos - Palácio Anchieta

A dura conquista da sede

Para tirar o Palácio Anchieta do papel, vereadores recorreram até a presidentes da República
Tempo estimado de leitura: 8 minutos

Raphaella Salomão | raphaella-cci3est@saopaulo.sp.leg.br
Sândor Vasconcelos | sandor@saopaulo.sp.leg.br

Publicada originalmente em fev/2019 
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O começo da luta para construir uma sede que suprisse as necessidades da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) remonta ao século 16. Em 1575, teve início a edificação da primeira sede própria, inaugurada no ano seguinte. Ficava no quadrilátero do Colégio dos Jesuítas (atual Pateo do Collegio), no Centro de São Paulo.

Daquela data até 1969, ano em que o Palácio Anchieta foi inaugurado, foi travada uma grande batalha para erguer um prédio digno para o maior parlamento municipal do Brasil (conheça aqui a história das sedes anteriores).

Alguns lugares como a Praça das Bandeiras, o Pateo do Collegio, a Praça Clóvis Bevilacqua e o Parque D. Pedro II foram cogitados para receber a nova sede. A escolhida foi uma área compreendida pelo Largo do Riachuelo, pelas Ruas Santo Amaro e Santo Antônio e pelo Viaduto Jacareí. O decreto de desapropriação foi assinado pelo prefeito Francisco Prestes Maia, em 18 de dezembro de 1942. Da assinatura até a inauguração, inúmeras foram as sessões plenárias em que os vereadores discutiram e discordaram sobre as questões que envolviam a mudança.

Em uma delas, em 1952, o vereador Gabriel Quadros lamentou a situação da Câmara, ainda incerta naquele momento. Segundo ele, a instituição estava “com suas malas às costas, sujeita às vicissitudes várias ou humilhações e até a mandados de despejo”. Na época, a Câmara Municipal funcionava no Palacete Prates, um prédio na Rua Líbero Badaró, no Centro, pertencente ao Banco Mercantil, que um ano antes havia comprado o imóvel do conde Guilherme Prates, filho de Eduardo da Silva Prates, o primeiro “conde Prates”.

ESCOLHA DA CONSTRUTORA

A Construtora Alfredo Mathias foi escolhida, em 1952, pelo prefeito Armando de Arruda Pereira para elaborar um projeto definitivo de construção do Paço Municipal, que abrigaria as sedes de dois poderes: a Prefeitura e a Câmara Municipal. A empresa recebera menção honrosa nos dois anteprojetos apresentados em concorrência pública organizada pela Prefeitura.

Operários na construção da nova sede / Acervo CMSP

O arquiteto-chefe da Secretaria Municipal de Obras, Alfredo Giglio, propôs a criação de uma comissão para auxiliar os trabalhos da construtora. A equipe era formada por profissionais da Prefeitura ligados às áreas de Urbanismo, Arquitetura e Obras. O arquiteto Oscar Niemeyer chegou a fazer parte do grupo, mas se retirou em agosto de 1952, alegando compromissos no Rio de Janeiro e curto tempo para conclusão dos trabalhos.

Em março de 1953, foi assinado o contrato com a Alfredo Mathias. Quatro anos mais tarde, o prefeito Wladimir de Toledo Piza cancelou o acordo e seu sucessor, o recém-eleito Adhemar de Barros, solicitou medidas urgentes para a continuidade do projeto do novo Paço. Foi aberta, então, concorrência pública para execução da obra. Apenas duas empresas apresentaram projetos, e uma delas foi eliminada por não satisfazer exigência do edital. O contrato foi firmado com a CIT Construções e Instalações Técnicas Ltda.

CARAVANAS E O “PASSA-MOLEQUE”

Em 10 de maio de 1960, um grupo de vereadores foi de avião até Brasília para uma audiência com o então presidente Juscelino Kubitschek. Apelidada pelo vereador Monteiro de Carvalho de “caravana”, a comitiva era formada pelos parlamentares Manoel Figueiredo Ferraz, Valerio Giuli, Januario Mantelli Netto e Nazir Miguel. Os deputados federais Ulisses Guimarães, Cunha Bueno e Arnaldo Cerdeira, responsáveis por organizar o encontro, também estavam.

A viagem até a capital federal tinha dois objetivos. O primeiro era conceder a Kubitschek o Título de Cidadão Paulistano e convidá-lo para participar da cerimônia de homenagem, em São Paulo. O segundo era entregar ao presidente um documento assinado pelo prefeito paulistano, Adhemar de Barros, e pelos componentes da Mesa Diretora da CMSP, com uma solicitação de empréstimo hipotecário no valor de 250 milhões de cruzeiros, para a construção do Palácio Anchieta.

Dois dias após o encontro, em sessão solene no Palacete Prates, Juscelino Kubitschek, já no final de seu mandato, comparou a homenagem a uma dádiva de Deus e declarou: “Foi aqui, senhores vereadores, no formidável exemplo das extraordinárias realizações paulistas, que em grande parte alicercei a minha fé no desenvolvimento brasileiro”.

Em 1963, novamente um grupo dirigiu-se a Brasília para solicitar verba a um presidente da República para que o Palácio Anchieta saísse do papel. Na oportunidade o chefe da nação era João Goulart, o Jango. A quantia desejada era de 500 milhões de cruzeiros, mas as coisas não deram muito certo.

“Agindo com aquela má fé que lhe era característica, na hora de datilografar o empréstimo, ele inclusive deu um drible, muito a seu modo, nas pessoas que compareceram à casa do professor Carvalho Pinto (ex-governador de São Paulo), onde foi assinado o termo de empréstimo”, lembrou tempo depois, em sessão plenária de 25 de maio de 1964, o vereador Ary Silva.

Segundo ele, em vez de 500 milhões, a quantia cedida foi de apenas 80 milhões, mas não houve conferência do termo na hora, pois “todos confiavam que o presidente da República não era moleque”. Ao fim de sua fala, Silva, resignado, lamenta: “Só agora é que se foi ver que houve um passa-moleque de João Goulart”.

Apesar do grande movimento para a construção da nova sede, a ideia não era unanimidade. O vereador Freitas Nobre, por exemplo, mostrava-se contrário à mudança por entender que a situação financeira do Município não era boa e que “a construção do Paço viria agravar o congestionamento no centro da cidade”. Curiosamente, anos mais tarde, em 1991, o auditório externo do novo prédio receberia seu nome.

ORDEM DE DESPEJO

O lançamento da pedra fundamental das obras da nova sede ocorreu em 24 de fevereiro de 1961, pelo prefeito Adhemar de Barros. Os vereadores corriam contra o tempo, já que  o Banco Mercantil solicitara de volta o Palaceta Prates, ameaçando despejar a Câmara Municipal.

Eleito novamente prefeito, Prestes Maia estava preocupado com a situação que se arrastava. O acordo com a CIT foi cancelado e Maia tornou novamente válido, em dezembro de 1961, o contrato com a Construtora Alfredo Mathias. Junto com a Prefeitura, a empresa ficou encarregada dos detalhes arquitetônicos. As despesas com desenhistas, material de desenho e outros gastos referentes ao projeto seriam de responsabilidade do Departamento de Obras do Município.

Em fevereiro de 1962, a Alfredo Mathias encaminhou ao Departamento de Obras o programa inicial de serviços para execução do edifício. No mesmo mês, o departamento enviou ofício para que fossem iniciados os trabalhos preliminares para a contratação de projetos para a obra, como a instalação de canteiros e tapumes.

ENFIM, O PALÁCIO ANCHIETA

Em 16 de janeiro de 1969, antes de estar totalmente concluído, o Palácio Anchieta entrou em funcionamento com a realização da sessão plenária de instalação do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Criado pelo prefeito José Vicente Faria Lima um ano antes, a instituição ficou sediada no prédio da Câmara até 1976, quando se transferiu para seu endereço atual, na Avenida Professor Ascendino Reis.

Paulo Planet Buarque foi o segundo conselheiro nomeado para o TCMSP e acompanhou a movimentação da mudança de sede. Em entrevista à Apartes, ele afirma que considera a construção do Palácio Anchieta uma realização muito grande, já que os funcionários viviam “sempre na dependência da possibilidade da utilização dos palácios governistas da época, e nem sempre era possível”.

Além do Tribunal, o Palácio Anchieta também serviu de sede para partidos políticos, instituição de ensino, banco, secretaria municipal e para a Rede Direta de Televisão, que operava em circuito fechado.

O Vereador João Carlos Meirelles foi o primeiro parlamentar a discursar na tribuna da nova sede / Acervo CMSP

A inauguração oficial do Palácio Anchieta ocorreu em 7 de setembro de 1969, às 10 horas, em sessão solene. O presidente da Casa era José Maria Marin; o prefeito, Paulo Salim Maluf; e o governador do Estado, Roberto Costa de Abreu Sodré. Completavam a Mesa Diretora o vice-presidente, José Antônio de Oliveira Laet; o secretário-geral, Naylor de Oliveira; o 1º secretário suplente, Luiz Gonzaga Pereira; e o 2º secretário suplente, David Roysen. A Câmara tinha 21 vereadores.

No dia seguinte, ocorreu a primeira sessão plenária da nova sede, e o cardeal de São Paulo, dom Agnelo Rossi, abençoou o local e entronizou o Cristo Crucificado no Plenário. Na cerimônia, o primeiro vereador a falar na tribuna foi João Carlos Meirelles: “Na inauguração deste Plenário, verdadeiro cenáculo do povo bandeirante, que esta Casa seja, como será, não um fator de divisão e de facções, mas um fator de unidade e simplicidade austera na representação do povo”.

Uma das primeiras críticas ao prédio foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, dois dias após a inauguração. Segundo o veículo, as janelas dos banheiros eram transparentes, o que tirava a privacidade de quem utilizava. Uma película escura foi instalada nos vidros logo em seguida.

Em 25 de janeiro de 1970, o presidente Emílio Garrastazu Médici estava em visita a São Paulo e recebeu, em sessão solene da Câmara paulistana, a Medalha Palácio Anchieta, toda em ouro, simbolizando a inauguração da nova sede.

Palácio Anchieta nos anos 80/Acervo CMSP

ESTRUTURA MODERNA

O Palácio Anchieta contém elementos da arquitetura moderna e reflete a imagem de progresso que os dirigentes da cidade de São Paulo buscavam. Um elemento que se destaca é a escada principal em forma helicoidal, uma das marcas registradas do edifício.

O Plenário 1º de Maio, onde são realizadas as sessões, localiza-se no 1º andar e sua galeria é aberta à população. Para a realização de eventos, cerimoniais e reuniões, a Casa possui o Salão Nobre João Brasil Vita, no 8º andar, além de outros auditórios e salas. Externamente, no térreo, fica o Auditório Freitas Nobre.

No 8º andar, estão expostos os retratos, pintados a óleo, dos ex-presidentes da Câmara, desde 1948 até hoje. A Casa possui, ainda, uma série de obras de arte espalhadas pelo prédio. Com projeto elaborado seguindo o preceito da planta livre, ou seja, sem paredes estruturais, é possível que a construção seja alterada mantendo-se sua infraestrutura básica.

Devido a essa mobilidade, o prédio pôde, ao longo do tempo, ser modificado conforme a necessidade. Em 1969, abrigava 21 vereadores. Após a Emenda Constitucional de 1982, passou a contar com 33. Com a Constituição de 1988, o número chegou a 53. A partir de 1993, por haver ultrapassado cinco milhões de habitantes, São Paulo passou a ter 55 parlamentares, número máximo previsto na Constituição Federal.

Ex-funcionário da Câmara Municipal, Ronaldo Salies foi contratado em 1959 e trabalhou nas duas últimas sedes do legislativo paulistano. “Na Líbero Badaró havia de quatro a cinco pessoas em uma sala. Aqui no Palácio Anchieta, existem de quatro a cinco salas para cada um”, brinca. Além de mais acomodações para os funcionários e vereadores, ele conta que a mudança proporcionou mais espaço para a realização de reuniões, eventos abertos e que “o atendimento ao público e a participação da população melhoraram bastante”.

O padre fundador

O nome Palácio Anchieta foi dado à sede do legislativo paulistano em 1960, quando os vereadores ainda trabalhavam no imóvel conhecido como Palacete Prates, na Rua Líbero Badaró. A resolução nº 17, publicada pela Câmara Municipal em 17 de agosto daquele ano, definiu que a partir de então, independentemente do endereço, qualquer imóvel em que se encontrasse instalada a edilidade paulistana seria chamado de Palácio Anchieta.

Homenageado pelos vereadores paulistanos desde então, José de Anchieta teve papel fundamental na fundação da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554. Nasceu na Espanha em 1534 e chegou ao Brasil, aos 19 anos, com a Companhia de Jesus para atuar na catequização de povos indígenas.

Ao lado de outros onze padres, Anchieta fundou um colégio jesuíta situado entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, onde atualmente se localiza o Pateo do Collegio. Além de jesuíta, foi poeta, dramaturgo, linguista, professor e escritor. Faleceu em 1597, na cidade de Reritiba (ES), atual Anchieta.

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